Partiu de uma empresária a denúncia contra um esquema que,
conforme a investigação, foi montado para lavagem de dinheiro
obtido
. O médico traumatologista Fernando Sanchis é
suspeito de tentar ocultar bens em nome de laranjas.
Na manhã desta terça-feira (27),
a Polícia Civil fez uma operação em Porto Alegre e no Litoral Norte
do Rio Grande do Sul. Entre os alvos está o apartamento onde mora o
suspeito, no bairro Mont'Serrat, área nobre da capital gaúcha, e
nas três lojas investigadas.
Sanchis é suspeito de usar lojas
de artigos infantis para dar aparência de legalidade ao esquema que
enganou pacientes e o Instituto de Previdência do Estado do Rio
Grande do Sul (Ipergs). Em pelo menos um dos estabelecimentos, os
policiais precisaram arrombar a porta para entrar. Dentro, além de
berços, ursinhos e móveis coloridos, havia receituários do
médico.
A dona de um estabelecimento
comercial do mesmo ramo conta que procurou a polícia ao perceber
que a loja do médico estava vendendo os produtos por valores abaixo
de mercado.
"O berço, para nós, chegava aqui ao
Rio Grande do Sul a R$ 1 mil. Isso para nós. Para vender para o
cliente, teríamos que vender isso normalmente a R$ 1,5 mil, R$ 1,6
mil, por aí, seria o valor para impostos e tudo o que a gente
colocava, que a gente tem que pagar. Então era, no mínimo, digamos,
vender a R$ 1,5 mil. Eles vendiam a R$ 800. O cliente trazia aquele
valor para nós, a R$ 800, então era impossível concorrer com os
caras", conta a empresária.
De acordo com a polícia, o
dinheiro que passava pelas lojas vinha do sofrimento de pacientes
uma aposentada de Canoas, que não será identificada na reportagem.
Há cinco anos, ela foi submetida a uma cirurgia realizada pela
equipe de Sanchis. A filha dela disse que acredita que não havia
necessidade do procedimento.
"Minha mãe teve plano de saúde
por muitos anos, se tratou com vários especialistas e nunca ninguém
sugeriu nenhum tipo de cirurgia. Só fisioterapia, natação,
caminhada. Ela infelizmente perdeu o convênio, nós precisamos
consultar no SUS, caímos na mão dele e tudo foi muito rápido",
lamenta.
A filha conta que, antes de ser
submetida à cirurgia, a mãe dela era mais ativa. "Ela tinha
problemas de dor na coluna, mas era uma pessoa que caminhava, fazia
o serviço dela, ajudava na igreja, e no momento em que ela entrou
no hospital caminhando para fazer a cirurgia, para ter uma
qualidade de vida melhor, ficou cinco meses internada e hoje se
encontra nessa situação, dependente de nós para tudo, para tomar
banho, para comer, não caminha", desabafa.
Sem ter como dar uma qualidade
de vida melhor para a mãe, a filha espera, ao menos, que os
responsáveis sejam punidos. "Somos humildes, não temos condições de
dar o que ela realmente precisaria. Esperamos que algum dia essa
justiça seja feita, porque a gente não consegue sozinho manter tudo
o que ela precisa, infelizmente."
A investigação durou cerca de um
ano, e revelou que o homem lavava dinheiro por meio de
estabelecimentos comerciais do ramo de artigos para bebês e
crianças. Conforme o Ministério Público, além do médico e da
esposa, o cunhado e uma amiga do casal também são investigados.
Foram apreendidos documentos,
computadores e celulares que, segundo o MP, podem comprovar que o
casal era o verdadeiro proprietário das lojas.
"O que a investigação buscou, é
identificar este patrimônio, por mais que no início possa não ter
sido todo esse volume, mas os lucros são acessórios daquele ganho
que ele teve com a atividade criminosa", afirmou o delegado
Cristiano Reschke, responsável pelas investigações.
Ele explica que o bloqueio de
bens, avaliado em cerca de R$ 20 milhões, tem o objetivo de
garantir o ressarcimento de vítimas.
O dinheiro investigado, conforme
a polícia, havia sido obtido por meio de fraude junto ao Instituto
de Previdência do Estado (Ipergs), planos de saúde e vítimas, que
eram levadas a realizar cirurgias desnecessárias. O caso ficou
conhecido como máfia das próteses, que foi alvo da operação Bones,
investigado entre 2015 e 2015.
A primeira fase da investigação
resultou na responsabilização dos investigados pelos crimes de
organização criminosa, estelionato, e falsidade ideológica. Os
prejuízos ao estado chegam a R$ 1,7 milhão. O esquema ocorria desde
2014, com a solicitação de procedimentos cirúrgicos pagos pelo
Ipergs, com valores muito superiores aos praticados pelos médicos
credenciados junto ao instituto.
Na consulta com o médico
investigado, os pacientes eram informados sobre a necessidade de
cirurgia, mas ele alegava que o material oferecido pelo estado não
era de boa qualidade. Advogados, também denunciados, então,
entravam na Justiça para obrigar o Ipergs a pagar por materiais
importados mais caros.
Em dois anos, foram ajuizadas
mais de 80 ações, quase idênticas, contra o Ipergs. Ao final da
investigação, 13 pessoas foram denunciadas.
Lavagem de dinheiro no 2º round
Conforme a polícia, testemunhas
relataram que, apesar do mercado para a venda de artigos para bebês
estar em crise, as lojas da organização comandada pelo médico
recebiam cada vez mais investimentos, com a abertura de novos
estabelecimentos.
Para a Polícia Civil e o
Ministério Público, o objetivo da abertura das lojas não era o
lucro, mas sim justificar de forma fictícia e simulada o
faturamento de dinheiro em volume compatível com o patrimônio dos
investigados.
Pessoas próximas dos suspeitos
eram usadas como laranjas para o registro da empresa na Junta
Comercial, e para o registro de carros e imóveis de luxo em Porto
Alegre, e mansões em condomínios de luxo no litoral gaúcho. Além
disso, uma separação do casal teria sido simulada para impedir o
bloqueio de bens.
"Se identificou [na segunda
fase] da investigação uma possível fraude por meio de uma simulação
de separação, para que havendo a separação, e a esposa,
companheira, não estando nesta investigação, o patrimônio que ela
levasse, ficasse mais difícil de se atingido. Talvez esse foi o
raciocínio do nosso investigado", disse o delegado.
De acordo com o promotor Marcelo
Tubino, que também atua no processo, desde a primeira fase da
investigação "surgiu a informação de que estes criminosos lá
denunciados estariam aplicando este proveito do crime em outra
atividades econômica. Muito provavelmente, neste primeiro momento,
fazendo circular este dinheiro, e também lucrando com este
patrimônio ilícito", afirmou.
Conforme o promotor, apesar do
processo em andamento, nas redes sociais o investigado não escondia
que seria o verdadeiro proprietário das lojas. "Mas ao mesmo tempo,
perante à Junta Comercial, perante aos órgão no poder público, eles
não são os proprietários. Então ficou bem evidente uma manobra de
ocultar e dissimular esta riqueza", disse.
Diego
Marty, advogado do fernando sanchis, informou que vai se posicionar
só depois que tiver mais informações sobre a operação. Informou que
já teve acesso a parte da investigação e que está analisando
documentos e apurando tudo. E que só pode dar uma posição efetiva
depois que tiver acesso aos autos.