Se a cláusula compromissória constar no contrato entre o segurado e o terceiro responsável pelo sinistro, a seguradora terá dificuldade em obter o ressarcimento.
Os 20 anos da Lei de Arbitragem (Lei 9.307), completados no ano passado, foram celebrados no país como um grande avanço na solução de litígios fora do Judiciário. Uma das principais inovações da lei foi a adoção da regra que atribui o enforcement à cláusula compromissória, aquela que é contratada antes de haver qualquer conflito entre as partes. Mas, é justamente esta regra que tem gerado polêmicas no uso da arbitragem em seguro e resseguro.
Em sua participação no evento “Experiência da Arbitragem no Seguro”, promovido pela Associação Internacional de Direito do Seguro (AIDA) em novembro do passado, o vice-presidente da AIDA mundial, Sergio Ruy Barroso de Mello, analisou o tema sob o âmbito do resseguro. Ele citou situações em que o segurado de riscos de engenharia ou operacional, por exemplo, firma contrato com terceiros, incluindo a cláusula compromissória de arbitragem.
Esse tipo de contrato prejudica o ressarcimento do segurador porque os tribunais de arbitragem no exterior acabam por aplicar a cláusula compromissória, celebrada entre o segurado e o terceiro, ao segurador. Isto impede o segurador de entrar com ação judicial no Brasil.
Tema não é pacífico
Casos como este são comuns em se tratando de empresas multinacionais que contratam o resseguro para seus riscos, antes mesmo de adquirirem o seguro, e incluem a cláusula compromissória no contrato. Embora o risco seja, em princípio, do segurador, às vezes, este responde por uma pequena parte da indenização, conferindo legitimidade ao ressegurador para participar da regulação de sinistros.
Por causa da cláusula de controle, o ressegurador poderá intervir na regulação do sinistro e adotar decisão contrária aos interesses dos segurado. Mas, se, em seguida, a seguradora for acionada em juízo pelos segurados a pagar, além da indenização, diversas outras verbas extracontratuais, então não poderá levar o ressegurador à Justiça como denunciado à lide. A cláusula compromissória de arbitragem no contrato de resseguro retira a competência do Judiciário para apreciar a questão. Além do mais, nem sempre o contrato de resseguro prevê garantia para verbas extracontratuais.
Diante dessas situações, se discute no Judiciário se a cláusula se aplica por referência ao segurador ou se este tem o direito de iniciar procedimento judicial pelas vias comuns. O tema não é pacífico, mas a tendência da jurisprudência é a favor de não considerar válida a cláusula compromissória por referência.
A arbitragem é um meio de alternativo de solução de conflito bastante útil ao setor de seguros e resseguros, mas especialistas concordam que há exceções. Por isso, é preciso examinar as situações em que as cláusulas compromissórias não são úteis e oportunas no contrato, já que a arbitragem pode ocorrer independente de sua existência. Dai porque o tema merece atenção dos operadores do mercado de seguros e resseguros.
Seguradora como terceiro
A professora Selma Lemes analisou o tema sob o aspecto da legitimidade de participação da seguradora no procedimento arbitral, considerando que esta não assinou a cláusula compromissória. Com base na legislação comparada, ela informou que algumas Câmaras de Arbitragem pelo mundo preveem esta questão.
Juntando exemplos de diversos países, ela conclui que existe praticamente uma uniformidade no sentido de que o terceiro pode participar de um procedimento arbitral, desde que haja consenso entre as partes. “Todavia, o terceiro não tem o direito de intervir na formação da câmara arbitral”, frisa. Em termos de jurisprudência sobre o assunto, um dos casos citados pela professora foi o da Alstom, envolvendo a construção de navios, cujas bombas foram fornecidas por uma empresa norte-americana.
Depois de verificar problemas de pane elétrica nas bombas, a proprietária dos navios iniciou procedimento arbitral na Câmara Suíça, que resultou na condenação da Alstom. Esta, por sua vez, compôs demanda de arbitragem em Paris contra a empresa fabricante das bombas, na qual a seguradora AGF quis participar. Segundo Selma Lemes, a demandada não permitiu, mas o Tribunal Arbitral consentiu.
“A sentença foi mantida pela Corte de Apelação de Paris, reconhecendo, inclusive, a possibilidade de o terceiro, a seguradora, participar como parte no procedimento arbitral”, diz. Ela conclui que tem de haver consenso para a participação do terceiro.
A professora abordou, ainda, a questão do direito de sub-rogação da seguradora no procedimento arbitral. Segundo ela, a tendência é a de se interpretar a questão como uma substituição da posição contratual, em decorrência legal da própria figura da sub-rogação. “Pela jurisprudência, em alguns casos a seguradora prefere ir ao Judiciário. Mas, é o Judiciário que remete o caso à arbitragem”, diz.
Selma Lemes comentou que na jurisprudência brasileira existe um precedente em relação à cessão do contrato que implica na cessão da cláusula compulsória. O caso, referente a uma sentença estrangeira contestada no STJ, foi relatado pela ministra Nancy Andrighi, que reconheceu que havendo a cessão de contrato, haverá a cessão da cláusula compromissória e as discussões daquele contrato serão dirimidas por arbitragem. “Então, vejo que existe uma tendência a se notar: parece que a cláusula de sub-rogação faz a arbitragem se inserir dentro do contexto da sub-rogação. Ou seja, a pretensão regressiva da seguradora é por arbitragem”, diz.
A vantagem da arbitragem
Sergio Mello avalia como “preciosa” a participação do segurador no procedimento arbitral entre segurados e terceiros, atuando na condição de assistente. Ele cita o exemplo do seguro garantia, em que muitas vezes é instaurado procedimento arbitral para solução da controvérsia entre o segurado e o tomador, a respeito do cumprimento ou não da obrigação segurada. “Nessas situações, caso o segurador não participe e não observe os fatos e provas, ficará sem condições técnicas de analisar a cobertura do seguro mais adiante”, diz.
O mesmo ocorre, segundo Mello, nas carteiras de riscos de engenharia, de responsabilidade civil, operacional, dentre outras, na medida em que haja um litígio entre o segurado e o terceiro, com reflexos diretos na cobertura do seguro. “É importante ressaltar que a presença do segurador na arbitragem, na condição de assistente, lhe garante o direito de acesso a todas as informações e documentos, além de poder levar ao processo os argumentos que entender pertinentes”, diz.
Ele destaca, ainda, o benefício ao segurador de não ser condenado ao cumprimento de nenhuma obrigação, pois não se discutem as questões oriundas do contrato de seguro. “A menos que o segurador queira. Neste caso, deverá inserir expressamente no termo de arbitragem a análise pelos árbitros das questões relativas ao seguro, o que não é recomendável”, conclui.