Corretores de seguros travam guerra
na Susep e na Justiça contra a plataforma online da Caixa
Seguradora. Saiba como fica o consumidor nessa briga
São Paulo – Com apelo jovem e
moderno, a Youse, subsidiária da Caixa Seguradora, foi lançada no
mercado envolta de um ar de inovação ao permitir que seguros de
carro, vida e da casa pudessem ser adquiridos totalmente online,
sem a intermediação de corretores de seguros.
E vai mais além: as proteções podem
ser personalizadas (o consumidor pode escolher as coberturas que
quer adicionar ao seguro) o que pode torná-las mais baratas do que
a média do mercado.
O posicionamento agressivo gerou
polêmica entre entidades de corretores de seguro, que reclamaram
que a empresa “ilude o consumidor ao afirmar que o corretor de
seguros não é necessário”.
A reclamação fez com que a Youse
realizasse mudanças em textos divulgados no seu site e deixasse
mais claro que sua operação é, sim, intermediada por uma corretora
de seguros, caso o consumidor queira tirar dúvidas na hora da
contratação da proteção online.
A briga chegou até a
Superintendência de Seguros Privados (Susep) e à Justiça quando
essas entidades verificaram que, apesar da publicidade e do
funcionamento do site, o registro da Youse como uma seguradora
independente ainda não foi aprovado pelo órgão regulador.
Para se adequar, a Youse destacou
em seu site, inclusive em seu próprio logo, que as proteções
vendidas atualmente são as mesmas comercializadas pela Caixa
Seguradora. A empresa argumenta que, enquanto o seu registro não
sai, atua apenas como uma plataforma de vendas da Caixa.
Mas esse argumento não parece ter
convencido a Susep, conforme nota enviada pelo órgão para
EXAME.com. “A atuação, da forma descrita, está em análise e
apuração pela Diretoria de Supervisão de Conduta, visto que, ao
menos em tese, parece não haver previsão legal”.
Na sexta-feira, a 10ª Vara Federal
do Rio de Janeiro determinou que a Youse cesse imediatamente a
comercialização de seguros, decisão liminar em resposta à ação
movida pela Federação Nacional dos Corretores de Seguro (Fenacor).
A liminar também veda a divulgação de publicidade sobre os produtos
da Youse, que fica ainda impedida de renovar as apólices
contratadas.
A briga tem pontos semelhantes com
a que ocorreu entre o aplicativo de pedido de motoristas Uber com
os taxistas por conta dos preços mais acessíveis cobrados por um
novo modelo de venda, no qual a tecnologia tem um forte papel.
Afinal, como fica o consumidor
nesta briga? A venda direta de seguros, totalmente online e
personalizada, é positiva para quem compra seguros?
Consumidor tem direito à
informação
A venda direta de seguros, sem a
intermediação de corretores, é permitida por lei. De acordo com a
Susep, o seguro pode ser contratado por intermédio de corretor de
seguros devidamente habilitado e registrado na Susep ou diretamente
dos proponentes ou seus legítimos representantes junto às
sociedades seguradoras.
O problema é, conforme explica o
especialista em seguros Gustavo Mello, que comprar seguros pela
internet não é como comprar um livro. “Há muitos detalhes que
precisam ser observados”. Além disso, ressalta Mello, um corretor
de seguros compara preços da proteção em diversas seguradoras para
oferecer a melhor opção ao consumidor.
Questionada sobre se o modelo da
Youse deixaria o consumidor desprotegido, a Susep defende que é um
direito básico do consumidor de seguros, como em qualquer relação
consumerista, receber a informação de forma transparente e
adequada. “É necessário compreender que o seguro tem as suas
nuances e tecnicidade de seus contratos, e, também, que, em
determinadas situações, se estará lidando com consumidores
vulneráveis ou hipossuficientes”, diz o órgão, em nota.
É o que também defende Maria Inês
Dolci, diretora da associação de consumidores Proteste. “Desde que
ofereça todas as condições para o consumidor fazer uma escolha
consciente e seja muito transparente sobre condições e termos do
contrato, a venda direta não vai ferir o direito que o consumidor
tem à informação. Sabemos que a contratação de serviços é cada vez
menos presencial por conta da tecnologia”.
Segundo a Youse, em nota, “tanto a
plataforma digital quanto as condições contratuais do produto
possuem linguagem simples, clara, direta e acessível ao consumidor,
familiarizando-o com a linguagem, processos e características dos
produtos de seguros. E se ainda assim restar alguma dúvida,
disponibilizamos canais de atendimento com equipe altamente
especializada para atender o cliente da melhor forma possível”.
A plataforma afirma ainda que todas
as informações contratuais e legais são fornecidas ao cliente
durante toda sua experiência na plataforma de vendas.
Além dos canais de atendimento, o
cliente pode consultar previamente as condições contratuais do
serviço desejado; ele ainda será informado das características de
cada cobertura no processo de escolha (pré-venda) e a plataforma
encaminha eletronicamente o resultado de sua contratação.
Modelo exige cautela
Com o novo modelo proposto pela
Youse, o consumidor precisa, mais do que nunca, ler todo o
contrato. “Quando o consumidor contrata um serviço de forma direta
pressupõe-se que saiba quais são suas necessidades, não apenas se a
proteção cabe no bolso”, diz Maria Inês, da Proteste.
Essa regra é especialmente válida
para a própria Youse. Os preços mais acessíveis cobrados na
plataforma têm um por quê, que não é exatamente o fato de
personalizar o seguro com menos coberturas: a plataforma vende
proteções mais simples do que as comercializadas por outras
seguradoras.
No seguro de carro por exemplo, a
Youse não cobre perdas parciais de colisões nem danos materiais a
terceiros. Por conta disso, não cobra franquia do segurado (veja
por que a franquia é importante). Já no seguro de vida da
plataforma, o segurado tem uma carência de 18 meses para que passe
a ter direito à indenização.
É este ponto que a Fenacor diz ser
o foco do conflito. “A Fenacor não combate a Youse para garantir
exclusividade e reserva de mercado aos corretores. A nossa intenção
é, acima de tudo, defender os interesses dos consumidores”.
A limitação da cobertura do seguro
de vida, diz a entidade, em nota, “é apenas uma das armadilhas
escondidas nas condições contratuais impostas pela empresa, que não
é autorizada a operar (…). A Youse está muito longe de se parecer
com o aplicativo de transporte de passageiros Uber. Tem muito mais
semelhanças com aquela van do transporte alternativo,
irregular”.
Pesquise
Por causa das diferenças de
cobertura existentes entre os seguros vendidos no mercado,
especialistas aconselham o consumidor a sempre realizar uma
pesquisa antes de optar por uma proteção. “A própria liberdade de
personalizar uma proteção pode ter um custo embutido que pode
torna-la desvantajosa com relação a outras existentes no mercado”,
diz Maria Inês, da Proteste.
Além disso, dependendo da diferença
de preço entre as proteções, um seguro mais completo pode valer
mais a pena, já que minimiza o risco de o segurado ter prejuízos no
futuro.
Assim que aprovada como seguradora,
a Youse pretende passar a comercializar produtos próprios. Apesar
de ter a intenção de completar o seu portfólio de produtos, afirma,
em nota, que irá continuar a oferecer proteções “de forma simples,
acessível e customizável”.