O reajuste
do plano de saúde de 8 milhões de pessoas é calculado com
base em uma metodologia falha, afirmam documentos técnicos do
Ministério da Fazenda.
Por lei, a pasta tem que se pronunciar
todo ano sobre o índice de aumento proposto pela ANS (Agência
Nacional de Saúde Suplementar), a quem cabe a conta e a palavra
final a respeito do tema.
As críticas do órgão econômico estão
presentes em notas técnicas ao menos desde 2014. Neste ano, a
cobrança é enfática. Com data de 11 de junho, o parecer redigido
pela Fazenda diz que há erros conceituais no cálculo e que ele
permite às operadoras repassar ao consumidor o custo de falhas de
eficiência.
O reajuste de que trata o documento é
o anual, aplicado ao usuário no mês de aniversário de contratação
do plano.
Estão sujeitos
a esse aumento clientes de planos individuais ou
familiares contratados após 1998, o que corresponde a 17% do
mercado. Planos coletivos, contratados por empresas e associações,
não têm um limite de reajuste anual.
A distinção de tratamento parte do
princípio de que a vulnerabilidade do consumidor é diferente nas
duas categorias: como os planos coletivos envolvem um grupo de
pessoas, na negociação do reajuste haveria equilíbrio maior entre o
poder de barganha dos clientes e o das operadoras.
Com base nesse mesmo raciocínio, a ANS
calcula desde 2001 o reajuste dos planos individuais com base no
percentual aplicado pelas operadoras aos planos coletivos.
Neste ano, o resultado foi a
autorização de um aumento de até 10%, superior à inflação de 3,73%,
como apontou o ministério. Para a Secretaria de Promoção da
Produtividade e Advocacia da Concorrência do Ministério da Fazenda,
há dois problemas principais no cálculo dessa taxa.
Um deles, mais técnico, envolve o uso
de um conceito estatístico e a exclusão da base de cálculo de
alguns dados de reajuste. O outro questionamento da Fazenda é
em relação ao modelo econômico usado pela ANS, o “Yardstick
Competition”, que embasa a equiparação de reajuste dos planos
individuais ao dos coletivos.
Para o ministério, é preciso cuidado
ao usar o modelo, pois ele tem limitações como “possibilidade de
formação de conluio entre as firmas para influenciar o resultado” e
“dificuldade de acesso a informações de custos resultantes da
competição dos agentes”.
Outro erro, para a pasta, é a ANS
levar em conta o aumento do preço
dos planos, e não o custo real dos serviços prestados pelas
operadoras.
“Ressalta-se que esse aumento pode ser
resultante de diversos fatores, e pode não refletir diretamente uma
função da variação do custo assistencial, mas também ser resultado
de ineficiências, o que aumenta a subjetividade do modelo e sua
fragilidade”, diz a nota técnica.
Diante disso, o órgão recomendou que a
ANS apurasse uma nova taxa e buscasse “estratégias regulatórias que
incentivem os agentes do mercado a reduzir os custos de produção de
saúde mantendo-se dentro dos níveis aceitáveis de qualidade”.
Em 2014, a área técnica da pasta já
havia afirmado que a ANS, ao simplesmente repassar reajustes
“elevados” dos planos coletivos para os individuais, “apresenta-se
ineficaz no sentido de conter possíveis abusos do setor”.
Recentemente, o TCU (Tribunal de
Contas da União) se juntou aos críticos. Em março, concluiu
que a ANS não
tem mecanismos para prevenir abusos nos reajustes de coletivos e
que as operadoras não são obrigadas a informar como chegaram aos
índices.
O tribunal entendeu também que pode
ter havido dupla cobrança no passado, quando a agência incluía no
cálculo o impacto financeiro decorrente da ampliação do rol de
procedimentos obrigatórios. Esse item não foi mais considerado pela
ANS nos aumentos após 2015.
Com base nas conclusões do TCU, o Idec
(Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor) pediu na Justiça a
revogação do reajuste deste ano.
Advogada e pesquisadora da entidade,
Ana Carolina Navarrete defende uma nova fórmula que contemple a
capacidade de pagamento dos consumidores. Para ela, é errado usar o
índice dos planos coletivos como base para os individuais. “Não há
igualdade nas negociações, porque as empresas [que contratam
planos] não têm acesso a informações fundamentais
Especialista em economia da saúde, a
professora Mônica Viegas Andrade, da UFMG, concorda nesse ponto. “É
preciso que a sociedade saiba como são calculados os reajustes dos
planos coletivos para entender o dos individuais”, diz.
Por outro lado, afirma, planos
individuais e coletivos são produtos substancialmente diferentes.
Entre outros fatores, os primeiros têm uma carteira de clientes
mais envelhecida, o que acarreta mais gastos para as
operadoras.
Representante de operadoras, a
FenaSaúde replica o argumento. “Os sub-reajustes concedidos pela
agência são um dos motivos pelos quais diversas operadoras
abandonaram a comercialização de planos individuais”, declara.
A entidade afirma que os planos têm
aperfeiçoado suas operações e que uma nova fórmula deveria
contemplar a questão demográfica e variação dos custos
médico-hospitalares, que subiram 230% de 2008 a 2017, enquanto o
reajuste da ANS ficou em 131,9%.
Economista-chefe da Abramge, outra
entidade que representa os planos, Marcos Novais diz que repensar
esses custos do setor é fundamental, evitando-se exames
desnecessários em demasia e a incorporação de tecnologias caras sem
evidência científica. “Ninguém está interessado em ficar dando
reajuste elevado e perder cliente”, afirma.
A questão chega cada vez mais à
Justiça. Advogada do escritório Vilhena Silva, especializado em
direito à saúde, Renata Severo diz que, com a crise econômica,
tornaram-se diários os casos de clientes que contestam nos
tribunais o reajuste —e não só para planos individuais.
O corretor José Morais, 79, foi um
deles. Cliente de um plano coletivo, ele teve reajustes
consideravelmente acima do índice da ANS de 2013 a 2017. Com isso,
em cinco anos, sua mensalidade passou de R$ 2.572 para R$
6.670.
Em decisão liminar, a Justiça
considerou os aumentos abusivos, por violação aos deveres de
informação e transparência, e condenou a operadora a ressarcir
Morais pelos valores pagos em excesso.
“Quando a gente é novo, paga o plano e
não dá despesa. Quando a gente fica mais velho, o preço vai lá para
cima. É verdade que vamos usar mais, mas já pagamos”, afirma
ele.
ANS DIZ QUE
ELABORA NOVA METODOLOGIA DE CÁLCULO DO REAJUSTE
Em nota, a ANS afirmou que a
preocupação com uma nova metodologia de reajuste “vem de longe” e
que, para fomentar a discussão, fará nos dias 24 e 25 audiência
pública sobre o tema no Rio de Janeiro para discutir a proposta que
está em elaboração.
Sobre a recomendação da Fazenda de que
se busque estratégias para incentivar agentes do mercado a reduzir
custos, a ANS diz que vem incentivando um modelo assistencial com
foco na atenção primária e em ações preventivas.
A agência ressalta que o índice de
reajuste de 2017 ficou abaixo do estabelecido nos últimos três
anos, quando variou de 13,55% a 13,57%.