Um grande movimento de pacientes e
prestadores de serviços médicos levou à promulgação, há 20 anos,
da Lei 9.656, que regulamentou o setor
de planos de saúde e estipulou padrões
de cobertura e regras para os reajustes. Foi uma importante medida
de proteção dos consumidores – o lado mais fraco na eterna queda de
braço com as operadoras. Duas décadas depois, a insatisfação é
geral.
Enquanto as empresas reclamam do
aumento dos custos de saúde e se movimentam no Congresso para
flexibilizar o controle de reajuste de mensalidades, os clientes
intensificam a corrida à Justiça para contestar aumentos indevidos
ou garantir coberturas. Somente no Tribunal de Justiça do Estado de
São Paulo, o
número de ações contra as operadoras cresceu 453% nos últimos oito
anos, segundo estudo do Observatório de Judicialização da Saúde
Suplementar da Universidade de São Paulo (USP), publicado pelo
GLOBO na última segunda-feira.
As empresas têm razão quando
argumentam que os custos de saúde sobem por causas inescapáveis
como o envelhecimento da população e o aumento da prevalência de
doenças crônicas. Mas há outras causas, contornáveis, que levam ao
inchaço das contas médicas. Entre elas estão as fraudes, os
desperdícios, a adoção de procedimentos e remédios cada vez mais
caros (nem sempre receitados segundo as melhores evidências
científicas) e um modelo de remuneração dos hospitais que apenas
estimula o excesso de pedidos de exames e expõe os pacientes a
procedimentos desnecessários.
A saúde suplementar no Brasil é um
sistema disfuncional, financiado com dificuldade pelas famílias e
pelos empregadores. Do jeito como ele funciona hoje, o dinheiro
passa por uma engrenagem complexa e desce pelo ralo sem,
necessariamente, produzir mais saúde. As operadoras têm fracassado
em suas tentativas de explicar as razões do aumento de custos à
sociedade porque ela não aceita mais ouvir a chorumela e seguir
arcando com o prejuízo sozinha.
O impacto das despesas com saúde sobre
a folha de pagamento dos funcionários encarece os produtos e torna
as empresas menos competitivas. Faz tempo que plano de saúde deixou
de ser um assunto apenas para o departamento de recursos humanos.
Os presidentes de grandes companhias têm cuidado pessoalmente das
negociações com as operadoras. Querem entender como ocorrem o
aumento de custos, as fraudes e os desperdícios e ajudar a
coibi-los. Uma das soluções encontradas por empresas como Google,
Renault e Nissan foi oferecer um serviço de segunda opinião médica
para evitar que seus funcionários sejam submetidos a procedimentos
desnecessários que, além de prejudicar a saúde deles, elevam os
custos para todos. “Mais da metade das pessoas que ligam para o
nosso serviço de orientação médica desiste de ir ao pronto-socorro.
A cada dez cirurgias recomendadas, concluímos que três não eram
necessárias”, me disse recentemente o médico Caio Soares, diretor
executivo da Advance Medical Group, a multinacional espanhola
contratada por essas empresas.
VEJA
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reguladoras
Em vez de apenas insistir no discurso
do aumento de custos, as operadoras prestariam melhor serviço à
sociedade se investissem em transparência. Por meio de sofisticadas
auditorias de contas médicas, as maiores empresas do setor são
capazes de apontar, por exemplo, quais são os médicos que pedem
menos exames, os cirurgiões que oferecem os melhores preços e
mantêm os pacientes internados por menos tempo, os hospitais que
enviam mais pessoas à UTI, mesmo quando esse encaminhamento é
questionável. Quanto dessas informações estão disponíveis aos
clientes? Nada.
Nos Estados Unidos, os próprios
empregadores tomaram a iniciativa de criar o The Leapfrog Group, o
maior portal de transparência sobre serviços de saúde. Ao navegar
por ele, os funcionários conseguem comparar os indicadores de
qualidade e de segurança de hospitais e outros prestadores de
serviços médicos e escolher os que oferecem a melhor relação entre
custo e benefício.
No Brasil, estamos longe disso. Sem
acesso a dados objetivos para comparar profissionais e serviços de
saúde, o paciente não consegue fazer valer o seu poder de
consumidor. Quando tiver à sua disposição critérios claros para
escolher os melhores serviços, o cliente poderá induzir as
transformações necessárias para que o mercado de saúde se cure de
sua doença. Por enquanto, seguimos escolhendo médicos e hospitais
de acordo com o relato de amigos, parentes, celebridades. No dia em
que alguma luz for lançada sobre a medicina privada, poderemos
fazer escolhas com base em critérios que realmente importam para a
saúde e para o bolso – e não porque o piso de mármore reluz e a
poltrona de couro impõe respeito.
Leia mais: https://oglobo.globo.com/economia/analise-planos-de-saude-consumidor-pode-ajudar-curar-um-mercado-doente-22766877#ixzz5IsEEzrS9
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