Mais de quatro décadas depois, os incêndios do edifício Andraus e do edifício
Joelma – ambos no centro de São Paulo – ainda
marcam a memória de muitos paulistanos. “Dá muita tristeza lembrar,
mesmo tantos anos depois. E quando vejo a imagem de um incêndio,
tudo volta à mente”, diz o corretor de seguros Edson Sant'Anna, de
63 anos, um dos sobreviventes do incêndio no Joelma.
Em 1.º de fevereiro de 1974, esse edifício foi palco de uma das
maiores tragédias da cidade, deixando 187 mortos. Muitos deles se
atiraram da janela, em desespero. Funcionário de um banco dentro do
Joelma, Sant'Anna conta ter escapado por questão de minutos. “Meu
posto ficava no mezanino, mas todas as sextas eu subia ao à
tesouraria, no 20.º andar, para pegar documentos. Quando o incêndio
começou, eu já havia descido.”
Em 1974, Edson Sant'Anna tinha 19 anos e
trabalhava no edifício Joelma, mas só compreendeu o tamanho do
desastre quando saiu do prédio: "Quando cheguei na calçada já havia
corpos de pessoas que se atiraram. Olhei para cima e vi as chamas.
Foi um choque". Foto: Alex Silva / Estadão
Quando alguém avisou que havia fogo no local, ele não se
assustou. “Pensamos que era coisa pequena. Meus colegas e eu ainda
pegamos nossos objetos pessoais calmamente antes de descer. Quando
cheguei na calçada já havia corpos de quem se atirou. Olhei para
cima e vi as chamas. Foi um choque”, lembra ele, que dois anos
antes havia assistido da janela de um prédio de centro
o incêndio no Andraus, que teve 16
mortos.
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Osório Gonçalves, de 64 anos, não teve a mesma sorte de
Sant'Anna: ele trabalhava no 21.º andar do Joelma. “Depois de horas
de sufoco, fiquei com um grupo refugiado em um banheiro. O fogo
avançava, o calor aumentava, as vidraças arrebentavam, os pulmões
ardiam. Minhas orelhas ficaram queimadas, me esforçava para não
desmaiar. Ouvíamos gritos das pessoas que se jogavam.”
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Durante o resgate, Osório estava no 19.º andar e as escadas dos
bombeiros só chegavam até o 13.º. Foi preciso descer vários andares
por cortinas perigosamente atadas às colunas. “Uma moça que estava
comigo escorregou e morreu. Eu tinha só 20 anos, mas não esqueço”,
diz.
No dia 1 de fevereiro de 1974, as chamas
tomaram completamente o edifício Joelma, no centro, matando 187
pessoas. Foto: Acervo / Estadão
Lembrança. Sobrevivente do Andraus, Walter Sperandio, de 68
anos, se recordou vivamente daquele dia de terror ao ver na TV
o prédio que desabou no Largo Paiçandu na
última terça, no momento em que um homem era resgatado.
“Esse era meu maior medo. Eu estava abrigado em uma escadaria onde
as chamas não chegavam, mas via a violência do fogo refletida nos
prédios vizinhos. Pensava que a estrutura poderia ceder”, diz.
“Até hoje, quando entro em um edifício, ou mesmo em uma sala de
cinema, a primeira coisa que faço é localizar as saídas de
emergência”, diz o contador Pedro, que também sobreviveu
ao incêndio do Andraus.
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Mudanças tardias. O desastre no Edifício Joelma, em
1974, levou a uma mudança completa nos padrões de segurança predial
e prevenção de incêndios. Uma semana depois da tragédia, um decreto
da Prefeitura fixou normas sobre o tema. E, naquele mesmo ano,
foram retomados dos debates para revisar o Código de Obras de São
Paulo, de 1934, que nunca havia passado por uma revisão, que
atualizasse a lei para a nova estrutura urbana.
“Enquanto eu fazia o resgate no Joelma, estava revoltado, porque
dois anos antes, após oincêndio do Andraus, os gestores
públicos prometeram atualizar o Código, mas não fizeram
absolutamente nada”, conta o coronel Nilton D'Addio, do Núcleo de
Pesquisa da Memória do Corpo de Bombeiros.
Grupo de pessoas escapa por uma escada do Corpo
de Bombeiros durante o incêndio que matou 187 pessoas no edifício
Joelma, no centro de São Paulo, em fevereiro de 1974; o prédio não
tinha escadas de incêndio, nem heliponto. Foto: Acervo
Estadão
“Hoje um incêndio como aqueles não ocorreria. Os prédios têm
portas corta-fogo, alarmes de incêndio, corrimão, luzes de
emergência, portas anti pânico, extintores, hidrantes, rotas de
fuga e planos de evacuação. A catástrofe do Joelma serviu, ao
menos, para que essas coisas fossem revistas”, afirma o coronel.
Atualmente, além de regras locais, a Associação Brasileira de
Normas Técnicas (ABNT) e o Código de Defesa do Consumidor preveem
normas de prevenção a incêndios.
De acordo com D’Addio, o fogo no edifício Andraus foi muito
mais violento, mas as condições de sobrevivência eram muito
melhores que no Joelma. A maior parte dos sobreviventes do Andraus
foi resgatada pelo heliponto, que não existia no Joelma.
“O Andraus tinha uma escadaria voltada para o fundo do prédio e
isolada em todos os andares com uma porta comum. Além disso, o
vento soprava favoravelmente, levando as chamas para o lado
contrário da escada. Se não fossem essas condições, aquilo seria
uma carnificina”, explica D’Addio.
Já no Joelma, não havia nenhuma escada externa. Para piorar, as
escadarias internas funcionaram como uma chaminé. “As pessoas se
lembravam do Andraus e subiam ao terraço para serem resgatadas, mas
lá não havia onde permanecer.”