Em audiência pública na Câmara,
defensores do produto dizem que supre lacuna do mercado. Já para
seguradoras, prática é desleal
BRASÍLIA – Mais de 200 pessoas
acompanharam nesta terça-feira (24) audiência pública da comissão
especial da Câmara dos Deputados que analisa o projeto (PL 3139/15)
que proíbe a proteção veicular promovida por associações que
funcionam como uma espécie de cooperativa.
Essa modalidade de proteção é
diferente do seguro automotivo tradicional por prever o pagamento
de indenização por prejuízos que já ocorreram, como furtos e
acidentes – e não pelo risco desses casos virem a acontecer. Os
valores são divididos entre os associados.
O autor do PL 3139/15, deputado Lucas
Vergilio (SD-GO), classifica a modalidade como “seguro pirata” e
pretende acabar com a atividade, sob o argumento de que as
associações são um risco para o consumidor e não estão sujeitas às
mesmas regras das empresas de seguro, que pagam tributos e são
obrigadas a manter uma reserva financeira equivalente ao valor dos
bens segurados.
Representantes de associações
protestaram contra o projeto que proíbe que essas entidades
ofereçam o serviço de proteção veicular
“Os associados não têm garantias de
que vão receber. As associações fecham da noite para o dia, não tem
provisionamento de recursos nem cálculo atuarial. E a atividade
estimula o mercado de peças roubadas”, sustentou.
Já Fabrício Klein, da Organização das
Cooperativas Brasileiras (OCB), defendeu a legalidade da atividade
e o tratamento tributário diferenciado das associações. Segundo
ele, a Constituição garante liberdade e o direito de livre
associação, e a legislação específica dá às cooperativas o direito
de oferecer qualquer tipo de serviço.
“As cooperativas também têm de ter um
tratamento tributário adequado. Não há incidência de Imposto de
Renda e da CSLL simplesmente porque não há fato gerador, não há
lucro”, explicou.
Há relação de consumo entre
associações e associados neste modelo
Klein acrescentou que os associados,
por serem enquadrados como sócios e não como clientes das
cooperativas, não estão sujeitos ao Código de Defesa do Consumidor
(Lei 8.078/90).
O relator da comissão especial,
deputado Vinicius Carvalho (PRB-SP), discordou: “Isso está
enquadrado como relação de consumo, sim”.
As críticas à atividade foram
rebatidas por representantes de associações que oferecem proteção
veicular aos associados – os integrantes das seguradoras serão
ouvidos na próxima audiência pública da comissão especial.
Segundo Luiz Carlos Neves, presidente
da Federação Nacional das Associações de Caminhoneiros e
Transportadores (Fenacat), as associações surgiram em decorrência
do elevado número de assaltos e acidentes, aliados ao baixo custo
do frete e às recusas das seguradoras. “O que fazemos é um auxílio
mútuo na hora de acidente e rateio de custos para pagar caminhões
roubados e acidentados, já que 86% dos caminhões simplesmente não
são aceitos pelas seguradoras”, afirmou.
O presidente da Agência de
Autorregulamentação das Associações de Proteção Veicular e
Patrimonial (AAAPV), Raul Canal, concordou que as seguradoras não
conseguem atender a todas as demandas da população. Ele contestou
ainda a alegada falta de segurança para os associados. “Nos últimos
16 anos, a Susep [Superintendência de Seguros Privados] liquidou 49
seguradoras. Somente seis delas tinham 800 mil segurados, que
ficaram no prejuízo. No mesmo período, apenas três associações
foram fechadas”, comparou.
Para Cíntia Souza dos Santos,
presidente da Federação Nacional de Benefícios (Fenaben), o projeto
que proíbe que pessoas se associem para dividir prejuízos relativos
a veículos é inconstitucional. “Não há por que criminalizar essa
atividade. Inúmeras decisões judiciais são no sentido de que não é
crime. Que crime há nessa decisão de dividir prejuízos?”,
indagou.
Na avaliação de Cauby Morais,
presidente da Força Associativa Nacional (FAN), os corretores de
seguros, contrários às associações e que compareceram à audiência
com camisetas azuis com os dizeres “Não ao seguro pirata”, deveriam
adotar outra postura.
“A sociedade se organizou porque
sentiu que estava faltando algo no mercado de seguros. A briga de
vocês deveria ser outra: fazer com que as seguradoras construam uma
opção popular”, disse, dirigindo-se à plateia.
O deputado João Campos (PRB-GO), um
dos autores do pedido de realização do debate, anunciou que vai
apresentar um voto em separado com previsão de regulamentação das
associações.
O debate também foi acompanhado por
representantes das corretoras, que consideram a opção das
associações uma espécie de “seguro pirata”, sem garantias
legais
“Não faz sentido proibir ou
criminalizar a atividade. Proponho que a gente simplesmente
normatize, regulamente, para dar segurança jurídica aos associados
e para que sejam definidos a responsabilidade dos dirigentes e o
órgão fiscalizador”, justificou.
O deputado George Hilton (PSB-MG) foi
na mesma linha e defendeu a regulamentação das associações de
auxílio mútuo. Ele considerou a proposta de Lucas Vergilio um
retrocesso. “O texto busca criar uma reserva de mercado para as
empresas de seguro. Temos, na verdade, de alterar a lei de seguros
para que as cooperativas sejam fiscalizadas. Essas entidades só
cresceram porque há uma demanda reprimida, e as corretoras colocam
obstáculos”, sustentou.
Representantes dos corretores de
seguros não concordam e dizem que as associações fazem concorrência
desleal com as seguradoras. “A seguradora é obrigada a fazer uma
reserva financeira, paga uma tonelada de impostos e não pode
consertar o carro com peças usadas”, enumerou Carlos Valle, da
Federação Nacional dos Corretores, que estava na plateia.