Mercado paralelo cresce para além de
veículos e já oferece proteção para celular, vida e até saúde
Aumento de roubos e crise econômica
são dois combustíveis que impulsionam um mercado de proteção
paralelo ao de seguro, que preocupa entidades de defesa do
consumidor e divide o Congresso Nacional. A proteção veicular —
primeiro produto negociado por cooperativas e organizações sem fins
lucrativos —, com preço e garantias muito menores do que os do
seguro tradicional, já acumula 200 processos administrativos na
Superintendência de Seguros Privados (Susep) e 180 ações civis
públicas de autoria do órgão regulador.
Todos esses documentos estão sendo
analisados pela Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon), órgão
do Ministério da Justiça, para a instauração de uma investigação
preliminar sobre o segmento, que tem ampliado a oferta de produtos
para outras áreas, como vida, previdência privada, celular,
assistência funerária e até saúde. Já a Susep vai criar um grupo de
trabalho sobre o tema.
— Os consumidores são seduzidos pelo
valor baixo e não percebem que estão comprando um produto sem
garantias. Por mais que pareça um seguro, não é. Já há reclamações
nos Procons. O consumidor tem que saber o que está comprando e ter
de fato a proteção prometida — ressalta Ana Carolina Caram,
diretora do Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor (DPDC),
vinculado à Senacon.
Armando Vergilio, presidente da
Federação Nacional dos Corretores de Seguros Privados (Fenacor), se
preocupa com a diversificação desse mercado:
— Esse mercado começou a atuar
oferecendo proteção veicular, principalmente para caminhoneiros,
agora se espalha perigosamente para a proteção patrimonial, de vida
e saúde. Muitos consumidores têm batido à nossa porta pedindo ajuda
por falta de cobertura. Estamos pensando até em conversar com o
Conar (Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária) para
impedir a propaganda enganosa feita por essas associações.
CLIENTE COMPARTILHA RISCO E RATEIO DOS
CUSTOS
A Organização das Cooperativas
Brasileiras (OCB) afirma que existem “mais de cinco mil
cooperativas e mutuais focadas em seguros — veículos leves e de
carga, vida, funerário — atuando em todo o mundo, visto que em 77
países essa prática é regulamentada.” O número de membros e
beneficiários chega a 915 milhões e corresponde a 24% do mercado
global de seguros, segundo a organização. A OCB destaca que, no
modelo cooperativo, o cooperado divide os bônus e ônus da operação
e não é considerado um consumidor.
É essa diferença, diz Roberto Bittar,
presidente da Escola Nacional de Seguros, que não fica clara na
hora da venda do produto:
— O mútuo feito pelas cooperativas
pode existir, mas tem que ficar claro para quem entra neste modelo
que o valor da mensalidade é mais baixo porque ele está
compartilhando o risco. Ou seja, se o dinheiro em caixa não for
suficiente para cobrir os sinistros dos cooperados, esse custo será
rateado e ele terá que pagar. Além disso, se é um mútuo, tem que
atender aos cooperados, em associações específicas.
vendedor Thiago Tavares fez um
contrato de proteção veicular para sua moto Yamaha, ano 2014/15,
junto à Unibras. No dia 18 de fevereiro de 2016, quinze meses após
iniciar o financiamento, a moto foi roubada. Imediatamente, a
cooperativa foi informada e acionou o sistema de rastreamento.
Depois de esperar um mês e meio pelo resgate da moto, segundo a
empresa um procedimento padrão, teve que desembolsar R$ 400 em
documentos para receber o que havia pago pela moto (R$ 14.831,74).
A baixa do financiamento ficou por conta da Unibras, que não quitou
o empréstimo bancário, o que levou o nome de Tavares ao cadastro de
devedores:
— A Unibras mandou que eu parasse de
pagar o financiamento, pois iria quitá-lo. Mas não cumpriu o
acertado. A revendedora já protestou meu nome e ameaçou penhorar
algum bem que eu tenha para abater a dívida — conta o vendedor,
admitindo que, apesar da experiência ruim, voltou a fazer um
contrato de proteção veicular para o carro novo com outra
cooperativa. — Sem dúvida, tenho receio de que volte a acontecer o
mesmo, mas, se optasse pelo seguro tradicional, teria que
desembolsar o dobro.
Consultada, a Unibras não enviou
resposta sobre o caso.
David Nigri, advogado de Tavares, diz
que são frequentes os relatos como o do seu cliente:
— A maioria, porém, não recorre à
Justiça porque não tem dinheiro sequer para bancar as custas
iniciais do processo, em torno de R$ 1 mil. O fato é que esse
modelo de proteção, seja para carro, celular, funeral, não dá
garantias ao consumidor.
Márcio Coriolano, presidente da
Confederação Nacional das Segurados (CNSeg), diz que a entidade
está avaliando a realização de uma campanha nacional de
esclarecimento, a começar pelos estados onde esse mercado mais
cresce: Rio, Minas Gerais, São Paulo, além do Distrito Federal.
— Há mais de 140 denúncias em
andamento. São casos que vão de proteção veicular a associações que
vendem reparo e manutenção de equipamentos eletrônicos, seguro de
saúde e vida. Nesse modelo, o consumidor assume todo o risco, por
isso é tão barato— explica Coriolano.
PROJETOS CONTRA E A FAVOR
O promotor Sidney Rosa, subcoordenador
do Centro de Apoio das Promotorias do Consumidor do Ministério
Público do Rio, apesar de entender que é possível a oferta de
proteção por cooperativas e associações, teme que, sem que se siga
a regulação de seguros, esse mercado se torne insustentável e traga
grande prejuízo aos consumidores:
— Qualquer empresa pode ter um fundo
de reserva para cobrir eventuais imprevistos. A criação de uma
associação para resguardar eventos futuros e incertos, a meu ver,
contudo, se assemelharia bastante a uma seguradora. Há projetos de
lei em curso que abrem espaço para o retorno das falsas
seguradoras, que, estabelecidas na forma de associações, oferecem
contratos de seguros sem observar as regras determinadas pela
regulação do setor, deixando, muitas vezes, o consumidor sem a
reparação esperada.
Amanhã, a regulamentação da atividade,
proposta pelo projeto de lei 4.844/2012, vai receber parecer
favorável do deputado Covatti Filho (PP/RS), relator do PL.
Enquanto isso, uma Comissão Especial criada para debater o tema na
Câmara realiza, no dia 24, a primeira audiência pública sobre o PL
3139/2015, de autoria do deputado Lucas Vergilio (SD/GO), que
defende a criminalização da oferta desse tipo de proteção,
considerada pelo mercado um “seguro marginal”.
— A principal preocupação da Comissão
Especial é não deixar o consumidor na mão. Mas não sabemos se a
solução é proibir, já que há mundo afora cooperativas e associações
que prestam esse tipo de serviço. Se tiver uma regulamentação e
informação ao consumidor, temos que avaliar. De qualquer forma, é
outro perfil de produto, diferente do seguro — diz o deputado
Rodrigo Martins (PSB/PI), presidente da Comissão Especial que cuida
do tema e da Comissão de Defesa do Consumidor da Câmara.
Martins diz que está sendo estudada a
possibilidade de os demais projetos ligados ao tema, em trâmite na
Câmara, serem incluídos na análise da Comissão Especial. O deputado
Lucas Vergilio está entre os que defende a análise conjunta dos
PLs.
— Estão todos preocupados com preço e
acesso, não com a garantia. E esse mercado marginal está se
expandindo sem segurança e fiscalização.