A Agência Nacional de Saúde
Suplementar (ANS) colocou em consulta pública uma proposta de
resolução que altera a forma como a fiscalização das operadoras de
saúde é realizada e reduz a multa de um dos problemas mais comuns
enfrentados por consumidores: a negativa de atendimento de consulta
e de exames.
Atualmente, negativas de cobertura
representam 70% das queixas registradas na agência. A multa
prevista para operadoras que se recusam a providenciar para seus
clientes atendimento previsto em lei e em contratos é de R$ 80
mil.
A proposta da ANS é alterar esse
valor, de acordo com o atendimento negado. Exames laboratoriais
recusados, por exemplo, renderiam uma multa de R$ 20 mil. A
negativa para consultas, R$ 40 mil. Casos mais graves, em
contrapartida, teriam um aumento significativo dos valores. Para
negativa de casos de urgência e emergência, a multa chegará a R$
250 mil. O valor poderá ser aplicado em dobro, no caso de morte do
beneficiário.
O diretor-adjunto de fiscalização da
ANS, Rodrigo Aguiar, afirma que a mudança vai trazer maior
equilíbrio para cobranças. A negativa de procedimentos mais baratos
renderia uma cobrança menor, enquanto aqueles mais caros, levariam
a uma multa mais pesada.
O professor da Faculdade de Medicina
da Universidade de São Paulo, Mário Scheffer, no entanto, afirma
que essa escala, em vez de proporcionar equilíbrio, traz a mensagem
para operadoras que o crime compensa. “As negativas mais comuns
terão preços baixos, chegando em alguns casos a R$ 5 mil”, disse,
em uma referência à pena para operadoras que criam obstáculos ou
dificuldades de acesso a coberturas previstas nos contratos.
Scheffer afirma que essa não é a
primeira vez que a ANS tenta criar regras mais frouxas para
operadoras. Ele citou como exemplo uma resolução, que entrou em
vigor ano passado, que oferece o desconto de 80% no valor de multas
para operadoras que ofertassem os serviços para usuários fora do
prazo previsto.
A regra de desconto, de acordo com
Aguiar, não foi incluída nesta nova proposta, por ter se mostrado
pouco eficaz. De acordo com ele, foram poucas as operadoras que
quiseram aproveitar o perdão da dívida e ofertar o atendimento
previsto no contrato.
A professora de Direito do Consumidor
da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP),
Maristela Gregori, considera adequada a proporcionalidade, com
multas mais pesadas para infrações mais graves e que afetem um
número maior de consumidores, por exemplo.
“Aprimoramento é necessário. Trabalhar
a racionalidade, a razoabilidade é importante”, disse. Ela alertou,
porém, para a necessidade de se criar mecanismos que permitam fazer
o acompanhamento da atuação das empresas. “Isso não está muito
claro.”
Além de mudar os valores, a nova
proposta muda a forma de fiscalização. Atualmente ela é apurada de
forma individual, de acordo com a reclamação de cada usuário. O
texto em consulta pública propõe a análise das queixas em bloco.
Aquelas que não forem resolvidas na fase de intermediação seriam
agrupadas por um período de seis meses e avaliadas somente então. A
ANS acredita que, em caso de operadoras de menor porte, seria
possível abrir apenas um processo.
Aguiar avalia que a medida trará mais
uniformidade na análise. “Sem falar que com isso podemos avaliar a
demanda no contexto”, disse. Essa análise mais geral, disse,
servirá de subsídio para propostas de correções mais
estruturantes.
As operadoras serão classificadas por
faixas, de acordo com o desempenho diante das reclamações.
Fiscalizações e punições mais pesadas serão concentradas naquelas
que tiverem um desempenho considerado pouco satisfatório.
Maristela disse não estar claro como
tal fiscalização será feita. O diretor da ANS, por sua vez, afirmou
que ainda não foi definido se tal classificação será tornada
pública para o consumidor. De acordo com ele, porque poderia
provocar problemas de concorrência. “Há outros mecanismos mais
eficientes que podem orientar o consumidor a avaliar a qualidade
das operadoras”, disse.
A advogada do Idec, Ana Carolina
Navarrete, afirma que a proposta em discussão não toca em um ponto
considerado por ela essencial: o fato de a ANS agir e fiscalizar
somente quando provocada pelos usuários. “Sabemos que um grupo
pequeno de pessoas recorre à ANS. Quando o direito é desrespeitado,
a primeira providência que a pessoa toma é recorrer à Justiça”,
disse. “A régua que a ANS está usando para medir a prestação de
serviço da operadora está errada. Deveria ser a Justiça, não as
reclamações feitas para ela.”
Maristela critica ainda a manutenção
da instância de “conciliação” entre usuário e operadora. “Essa não
é a função da ANS. Seu papel é regular, não fazer a intermediação
para que um acordo seja estabelecido”, disse. Ela critica ainda a
cultura da ANS de se criar “atenuantes” para faltas das operadoras.
“Fazendo analogia com o trânsito. O sinal vermelho já foi
ultrapassado. Cabe então dar a punição para evitar novos erros, não
sucessivas oportunidades para que a empresa possa reduzir em parte
os efeitos da infração.”
Em nota, a presidente da Federação
Nacional de Saúde Suplementar, Solange Mendes, afirmou haver no
modelo atual desproporcionalidade enorme na aplicação de valores de
multas. “O atraso no agendamento de uma consulta pode penalizar a
operadora com uma multa de R$ 80 mil. Isso acaba prejudicando
também o consumidor. É importante que haja adequação dessa
legislação”, disse.