O Brasil passou por um período de
aquecimento na área de infraestrutura nos últimos anos e o mercado
de seguros de Grandes Riscos acompanhou essa guinada, especialmente
no que diz respeito aos riscos de Engenharia. Porém, com recente
declínio econômico no País e as denúncias de corrupção envolvendo
empreiteiras, esse mercado parece ter arrefecido. A realidade de
2015 traz questionamentos sobre quais serão os próximos passos do
mercado de seguros para conseguir manter estável uma carteira que
está diretamente a estes caminhos.
O mercado de seguros e resseguros
na América Latina tem apresentado crescimento de dois dígitos nos
últimos anos, diferente dos “mercados maduros”. Bom exemplo é o
Brasil, que representa aproximadamente 50% do mercado regional, e
atingiu crescimento significativo nos últimos cinco anos, com
dinâmica independente da evolução do PIB do País.
Com isso, cada companhia de seguros
tem utilizado suas próprias maneiras de desenvolver os programas.
“No modelo de negócio da AGCS, a estratégia é regional. Portanto,
mesmo que o Brasil passe por momentos de crise, conseguimos
continuar atuando e crescendo nos países vizinhos”, acredita
Patricia Marzullo, diretora regional de Engenharia para a América
do Sul da AGCS.
Apesar das instabilidades, o
otimismo prepondera porque países como México, Colômbia e Peru, e
em alguma medida Chile, vêm experimentando crescimento de emprego e
renda, expansão da classe média e presença de SMEs (dinheiro
europeu) na economia, o que é positivo para o mercado de seguros e
resseguros em geral. Isso não quer, necessariamente, dizer que as
companhias têm deixando de investir em Grandes Riscos no Brasil,
mas que parecem estar mais cautelosas.
Maurício Masferrer, diretor
executivo de P&C, Entretenimento e M&A da corretora AON,
lembra que embora os riscos de Engenharia sejam parte importante,
há outras áreas que beneficiam o ramo. Há toda a parte industrial
que demanda colocações de grande porte e resseguro, como as
siderurgias, minerações etc. e, de acordo com o executivo, essa
parte continua demandando como sempre demandou. “De qualquer forma,
o setor sofre um pouco com isso. O país não vai parar de crescer.
Tivemos uma interrupção, mas esperamos uma gradual melhora em 2016
e 2017, principalmente na questão industrial e na construção de
estradas e portos”, acredita.
Em época de crise, outro fator que
pode ser determinante para o mercado é a legislação. A brasileira
faz pouca diferenciação efetiva de clausulado entre o que é risco
massificado, pequeno ou o grande risco. Muitas vezes eles têm o
mesmo tratamento jurídico quando são formas de contratação
diferentes. “Uma coisa é a contratação massificada, na qual o
segurado não tem muito acesso à possibilidade de modificação, outra
coisa são os grandes riscos que, muitas vezes precisam ser objeto
de extensa legislação e análise. Mas o tratamento parece ser o
mesmo”, conta Marcia Cicarelli Barbosa de Oliveira, sócia da JBO
Advocacia. O controle da Susep também entra na fala da advogada
como sendo, em certos casos, “excessivo”. Ela lembra que essa
regulação é importante e legítima, mas que pode acabar engessando o
mercado e impedindo que os clausulados sejam mais flexíveis e, por
isso, mais adequados a cada caso. “Na Espanha, por exemplo, há uma
clara distinção na liberdade que se dá às empresas para elaborarem
as condições da apólice, assim como no Chile a partir de um
determinado valor de apólice. Tratar os contratos respeitando suas
diferenças é uma tendência mundial”, compara.
Os números computados pela Susep
sobre a carteira vão até março desse ano e tem indicativos de que
alguns negócios na área de riscos de engenharia estão caminhando,
provavelmente obras iniciadas ou em negociação. “No segundo
semestre a gente ainda vê o mercado de engenharia com
acontecimentos, mas temos percebido a demora no início de obras.
Não sabemos quando elas realmente começarão”, destaca Felipe Smith,
diretor Executivo de Produtos Pessoa Jurídica da Tokio Marine.
O que parece manter o mercado
otimista é saber que as obras de infraestrutura precisam ser feitas
no país e que ainda há capacidade das empreiteiras de entregarem o
que foi contratado. Isso mantém o apetite das companhias
seguradoras, que embora mais cautelosas, esperam o momento certo
para negociar. Smith diz que a própria Tokio Marine tem em sua
carteira obras já fechadas, aguardando apenas o aval dos
contratantes para serem iniciadas.
A autarquia também deverá fazer uma
movimentação em relação a esses fatores. O mercado de D&O, por
exemplo, reagiu no sentido de discutir e pedir revisões de
coberturas obrigatórias que, acreditavam, impediam o produto de
circular de maneira mais sadia. Esse pedido está aguardando a
decisão final, mas Márcia acredita que o órgão regulador deverá
entender a seguradora. “São coberturas demais que, muitas vezes,
podem ser contratadas em outras apólices. Acho que esse excesso de
regulação, como dito anteriormente, vai contra o mercado mundial,
onde há uma preocupação em estabelecer princípios, mas não ter uma
regulação de clausulado tão limitadora”, analisa.
Outras áreas
As grandes empresas, de maneira
geral, são contratantes em potencial de apólices de grandes riscos,
seja qual for sua área de atuação. Os riscos nomeados, dirigidos
especialmente a grandes empresas industriais, e os seguros de
propriedade, também estão em um ritmo menor de crescimento de
vendas, de acordo com Smith, mas o executivo acredita que o ramo
mais afetado por esse declínio deva ser o de seguros de transporte.
“Essa carteira tem diminuído. Vemos uma desaceleração na
movimentação de carga, por conta da situação atual das importações
e exportações e também no transporte interno. A economia
desaquecida movimenta menos mercadoria e menos prêmios são
arrecadados pelo mercado. Essa é uma das carteiras mais rapidamente
afetadas, porque o transporte é bastante atrelado à economia”,
afirma o executivo, que diz que a própria área da Tokio Marine
percebeu essas mudanças.
A grande diferença entre as
carteiras que conseguem se manter estáveis e as que sofrem mais o
impacto da crise é a quais fatores elas estão atreladas. Se não há
mercadoria, não há transporte de cargas. Masferrer explica que
“quanto aos riscos patrimoniais das empresas, a contratação
continua aquecida porque você não vai construir algo novo, mas
precisa fazer o seguro do imóvel”, esclarece.
Para entender como o mercado vem
funcionando, não é possível se ater a apenas um segmento. Renato
Rodrigues, Country Manager da operação de Seguros do XL Catlin para
no Brasil, esclarece que, analisando a área de grandes riscos como
um todo, a queda não é generalizada nas solicitações. “No caso das
linhas de D&O e E&O, nota-se, inclusive, crescimento. São
linhas que geralmente têm maior contratação em tempos de
desaceleração econômica e que fazem parte das coberturas de grandes
riscos. Dados de mercado indicam que nessa área houve crescimento
de mais de 30% no volume de prêmios no primeiro trimestre”,
explica.
Patrícia afirma que a AGCS, desde o
período pré-eleitoral, já notava uma redução no número de projetos
de construção no Brasil, prejudicando o seguro de riscos de
engenharia mas, principalmente, levanto junto as carteiras de
responsabilidade civil de obras. “Como nossa operação é regional,
para a América Latina, não sentimos um impacto acentuado, pois
recebemos uma demanda importante de obras de infraestrutura de
outros países”, afirma.
Pulverizar os riscos é um ganho das
companhias seguradoras que atuam globalmente. Elas não dependem das
demandas de um único País e podem manter suas carteiras
sustentáveis. Contando também com os contratos de resseguros e
cosseguros, muito comuns para esse tipo de risco, os investimentos
ficam ainda mais seguros. Mas esses acessos às apólices dependem da
maneira como as companhias conduziram sua operação até o momento da
crise. Smith acredita que não há muito segredo para conseguir as
renovações de resseguro, mas é preciso bastante trabalho. “A
dificuldade é do mercado como um todo. Algumas seguradoras
enfrentam mais empecilhos porque podem ter sido agressivas demais
nas suas aceitações de risco anteriormente”, pontua. É verdade que
as resseguradoras podem estar mais seletivas mas, para o executivo,
elas só serão assim se notarem que a estratégia de aceitação de
risco é sólida.
O executivo da Aon endossa essa
visão. Para ele, quando o mercado de resseguros foi aberto, em
2007, era muito líquido e aceitava a maioria dos riscos. Hoje,
alguns riscos têm mais ou menos facilidade. “O que está crescendo
são as boas condições aos bons clientes. Aqueles que têm políticas
de risco adequadas e se comportam bem no mercado têm facilidade de
aplicar o risco”, esclarece Masferrer.
O peso das denúncias para o
mercado
Deflagrada em 2014, os esquemas de
corrupção que originaram a operação Lava Jato parecem ter mexido
com esse mercado. É sabido que as apólices de D&O sofreram
alterações, especialmente as que cobrem empresas diretamente
ligadas à investigação. O seguro de Garantia de Obra também foi
outro produto afetado, já que o mercado de engenharia desaqueceu e
as construções estão demorando a serem entregues, com altas em seus
valores. Isso faz com que as seguradoras repensem seus riscos.
“Vejo que o D&O fez alterações, mas não tem sofrido tanto, mas
o seguro garantia não deveria ter o alto índice de sinistralidade
que estou vendo em algumas companhias. É possível que as
seguradoras mudem seus clausulados para restringir riscos e
exposições às quais elas não queiram dar cobertura”, salienta
Marcia.
O que o mercado procura fazer é
estar alheio às questões políticas e focar exclusivamente nos
desafios econômicos que estão por vir, oferecendo suporte a seus
contratantes. Os corretores são peças fundamentais para que isso
ocorra. As construtoras não parecem estar em uma “lista negra” das
seguradoras, mas elas querem clientes saudáveis. “Estamos
analisando o risco e continuaremos a fazer isso. Os bons clientes
terão acordo. A aceitação não depende da área, depende do risco. A
construção de uma ponte tem seus riscos específicos e, dentro
disso, queremos saber quem vai fazer e quais políticas internas a
empresa adota”, destaca o executivo da Aon.
A Tokio Marine também procura
enxergar o momento economicamente. “Há várias obras já negociadas,
mas o aval do contratante para iniciá-la está apenas ligado ao
momento do Brasil, que precisa de obras de infraestrutra e
aceleração na indústria. É um problema momentâneo e nós vamos
passar por ele. Enquanto isso, cautela e paciência são
necessárias”, indica Smith.
O seguro garantia de performance,
que é o que se aplica a grandes projetos de obras, foi afetado. Mas
o seguro garantia do tipo judicial, usado para substituir depósitos
em juízo, tem aumentado, também como reflexo da crise, que está
favorecendo a maior contratação desse tipo de seguro. “Porém,
simultaneamente houve a saída de alguns players dessa área,
equilibrando o mercado”, opina Rodrigues.
Permanência no
ramo
O momento é de decisão estratégica.
Há seguradoras prontas para fazer aquisições de carteiras de
grandes riscos e outras prontas para vendê-la, como foi o caso da
Itaú Seguros, que vendeu sua participação à Ace no início do ano. A
Tokio Marine participou ativamente dessa disputa e, embora não
tenha conseguido a aquisição, não perdeu o apetite para novas
oportunidades. “Não é segredo que tentamos adquirir a carteira da
Itaú e o legado disso foi o reforço da estrutura da companhia”,
declara.
Outras ainda adotam a parceria como
meio para fortalecer a atuação, como a parceria estabelecida entre
Axa e SulAmérica. Carlos Alberto Trindade Filho, vice-presidente de
Auto, Ramos Elementares, Vida e Previdência da SulAmérica, declarou
à Revista Apólice que “o acordo é a
extensão de uma parceria que existe desde 2006. “Continuaremos
responsáveis pela distribuição comercial da carteira de grandes
riscos para todos os nossos corretores. Eles seguem sendo os
distribuidores em todos os canais com os quais a companhia
trabalha, pois são nossos grandes parceiros e estão no DNA da
companhia. Permanecemos, assim, como uma companhia multilinha, com
soluções completas de proteção e distribuição de todos os produtos,
inclusive os de grandes riscos”.
Já para a AGCS, o objetivo é
trabalhar constantemente no desenvolvimento de novos produtos que
atendam às necessidades de cada cliente. “À medida que eles são
desenvolvidos em nossa matriz, trabalhamos para trazê-lo para nosso
País e oferecermos aos nossos clientes, como Cyber e Weather
Solutions”, mas a ideia é manter a operação como está, já que
Patrícia afirma que no momento não há planos de aquisição por parte
do grupo.
A advogada Marcia, sinaliza que o
primeiro movimento é de concentração, pois diversas empresas estão
reavaliando suas carteiras de grandes riscos, focando em fatores
como subscrição e taxas de sinistralidade, mas isso deverá trazer
um incremento nas faixas de prêmios. “As taxas estavam muito
baixas. Empresas operavam com valores que não eram coerentes com os
riscos. Aumentar as taxas e as reservas poderá fazer com que o
mercado amadureça. Pode diminuir a competitividade, mas torna o
mercado mais sério”, analisa.
O Brasil é um mercado em evolução.
As empresas vivenciam uma acentuada curva de aprendizado e há
oportunidade de tirar vantagem do benchmark internacional, conforme
acredita o Country Manager da XL: “temos sido testemunhas de um
forte movimento de capacitação de gerentes de risco, de busca por
novas tecnologias e de crescente consciência sobre a importância da
seguradora como parceira do negócio. Outro driver importante é a
internacionalização da nossa economia e, por consequência, sua
maior exposição a mercados mais maduros”, conta.
O conhecimento é crucial para atuar
em grandes riscos. Não basta apetite, mas a administração também é
importante, além do planejamento no longo prazo. “Possivelmente, as
seguradoras que irão operar nessa área são as que atuam no mundo
todo. Nesse mercado há anos bons e anos com terremotos, tsunamis,
enchentes, tufões etc. É um jogo para quem sabe jogar e para entrar
e ficar, ter apetite para tempos bons e ruins”, finaliza Smith.
Ou seja, a indicação dos
entrevistados é que as soluções para driblar a crise na área de
grandes riscos são parecidas com as apólices que elas promovem:
precisam ser flexíveis, com entendimento dos riscos de mercado,
alinhar a relação com o corretor e promoção boas práticas. “Mas o
mais importante é ouvir atentamente nossos clientes e corretores a
fim de entender de fato seus riscos e, juntos, criarmos a solução
de seguro adequada para suas necessidades”, finaliza Rodrigues.