Brasil seria um dos poucos países que ainda não possui lei específica para regulamentar relações entre segurados e seguradoras. Sem a regra, lacunas acabam sendo preenchidas pela Justiça
Roberto Dumke
São Paulo - A falta de uma lei própria para contratos de seguros tem obrigado a Justiça a estabelecer as regras comerciais do setor. A demanda poderia ser outra se o Congresso Nacional já tivesse concluído debate que se arrasta há 10 anos.
A principal proposta em discussão é o Projeto de Lei (PL) 3.555/2004, de autoria do ex-deputado e atual ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo. Mas após longa discussão e inúmeras manobras, a votação não saiu.
Segundo o presidente do Instituto Brasileiro de Direito do Seguro (IBDS), Ernesto Tzirulnik, a lei é necessária para evitar abusos. "Há uma série de conquistas que a sociedade já obteve por meio da jurisprudência e até de práticas de algumas seguradoras", afirma ele.
Mas na realidade, muitas dessas conquistas só são acessíveis via ação judicial. "Elas deveriam estar incorporadas à lei e ser garantidas a todos. Não só àqueles com dinheiro para pagar advogado e paciência de esperar 15 anos até o fim de uma ação".
Entre os benefícios que poderiam se tornar acessíveis com a lei, ele cita caso sobre o atraso no seguro de automóvel. Hoje, se o segurado atrasa o pagamento da parcela, a empresa frequentemente suspense imediatamente a validade do seguro. "Um roubo que ocorre meia hora depois não está garantido", diz.
Prática
Já na Justiça, o consenso é que deve haver notificação prévia da suspensão do seguro, com antecedência de 15 dias. "Mas quem está nessa situação e tem o direito negado, precisa entrar com ação judicial e esperar oito ou dez anos, até que se esgotem os recursos judiciais". Esse exemplo seria apenas uma pequena amostra dos mais de 130 artigos do PL 3.555.
O principal obstáculo para a aprovação da lei seria a divergência com as seguradoras, que enxergam a proposta como ameaça. Contudo, parece que as empresas têm feito a tarefa de casa no sentido de barrar ou alterar o projeto.
Relator
No final de 2010, com a saída de Cardozo do Congresso, o projeto ficou órfão. Ele deixou a posição para integrar a primeira campanha de Dilma Rousseff à presidência. Mas manobras bem-sucedidas acabaram evitando o arquivamento permanente dos seis anos de discussão (2004-2010).
Em 2012, todavia, o projeto começou a seguir outro rumo. O deputado Armando Vergílio (PSD-GO), presidente da Federação Nacional dos Corretores de Seguros (Fenacor), conseguiu a relatoria do PL 3.555. Em 2013, ele apresentou uma série de emendas ao projeto.
Em oposição, o senador Humberto Costa (PT-PE) lançou um projeto quase idêntico ao PL 3.555, excluindo as modificações de Vergílio. No texto do Senado, consta inclusive que a proposta foi apresentada por "diante do retrocesso" das emendas do deputado.
Em seguida, na Câmara, o deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ) também se opôs ao novo relator. Em voto separado, Cunha disse que Vergílio "introduziu modificações", que "privilegiam demasiadamente o interesse de seguradoras".
Tanto no Senado quanto na Câmara, segundo Tzirulnik, o projeto tem condições de ir à votação ainda este ano