Considerada um direito pelos médicos, um abuso pelos advogados e
uma violência por algumas gestantes, a exigência de uma "taxa
extra" por obstetras de planos de saúde para acompanhar o parto
normal será julgada pela Agência Nacional de Saúde Suplementar
(ANS). A prática, que até agora permanecia na "informalidade",
deverá ser discutida na próxima reunião da diretoria.
Entre os documentos analisados está o parecer do Conselho
Federal de Medicina (CFM), encomendado pela própria agência. Para o
colegiado, a prática não fere a ética, traz uma alternativa para a
baixa remuneração oferecida pelos planos de saúde e poderia ajudar
o País a reduzir o número de cesarianas. Em 2011, 83% dos
nascimentos feitos na assistência suplementar foram por meio de
cesáreas.
Mulheres que gostariam de experimentar o parto normal hoje se
queixam que o tipo de parto é definido pelo bolso e não pelas suas
condições de saúde. Quando podem pagar a mais, o médico do plano se
"dispõe" a acompanhar o parto natural. Se não têm dinheiro, a
cesárea é marcada já nas primeiras consultas do pré-natal. Não
importa a idade da paciente, se já teve filhos ou se ela reúne
condições que permitem o parto normal.
"Eles argumentam que com cesárea tudo pode ser programado. Não
perdem o fim de semana, não precisam desmarcar consultas de
consultório nem ficar horas esperando um parto apenas", relata a
chefe de cozinha Bruna Trieto.
Mãe de dois filhos - ambos por parto normal -, ela conta que
preferiu não correr risco. "Procurei um profissional de confiança.
A impressão que tenho é de que muitos médicos até dizem que fazem o
parto normal, mas quando chega a hora arrumam qualquer desculpa
para logo indicar a cesárea."
A desconfiança também acompanhou a servidora pública Bárbara
Rangel, de 33 anos. A médica que a atendia dizia ser mais prudente
fazer a cesárea, porque Bárbara é diabética. "Somente me convenci
quando conversei com outros médicos, já no fim da gravidez",
conta.
O parecer do CFM determina que o acordo por escrito entre
gestante e médico seja feito ainda na primeira consulta. O trato
garantiria à gestante o direito de ser acompanhada das primeiras
contrações até o nascimento. Segundo o secretário do CFM, Gerson
Zafalon, operadoras não pagam pelo acompanhamento, apenas pelo
parto. Ele argumenta ainda que o valor extra poderia ser, num
segundo momento, reembolsado pelas empresas de saúde. A proposta,
no entanto, é criticada por sociedades estaduais.
"Impossível separar o acompanhamento do parto. É uma coisa só",
afirma o presidente da Associação de Obstetrícia e Ginecologia de
São Paulo (Sogesp), Cesar Eduardo Fernandes. Ele defende, no
entanto, a criação de uma alternativa para os baixos rendimentos do
médico. "O obstetra é como um profissional qualquer: não pode
trabalhar de graça. Se a paciente quer que seu médico faça o parto,
pela sua disponibilidade, isso precisa ser ressarcido."
Ética.
A gerente-geral de regulação assistencial da ANS, Martha
Oliveira, conta que a agência decidiu analisar a cobrança da taxa
extra depois de ser várias vezes questionada. "Não podemos falar
sobre a ética, daí o pedido de parecer feito pelo CFM. A partir de
agora, o que será visto é: a disponibilidade do médico, a presença
no parto é coberta pelos serviços?" Martha diz que o plano é
obrigado a garantir para a gestante o atendimento pré-natal, o
acompanhamento e o parto.
Não há, porém, nada explícito que garanta à paciente o direito
de ser atendida pelo médico que acompanhou sua gestação. "A
operadora tem de garantir a vaga, o profissional, mas não
necessariamente o mesmo."
A diretora de atendimento da Fundação Procon São Paulo, Selma do
Amaral, diz que nada garante à paciente que operadoras farão o
reembolso do extra pago para o médico. "Não há nada que indique
esse direito. Isso pode causar uma grande confusão e, pior, um
grande prejuízo para os consumidores." A Federação de Saúde
Suplementar, em nota, disse que reembolsos são feitos apenas para
procedimentos previstos pela ANS.
Além de considerar a exigência abusiva, a advogada especialista
na área de saúde Renata Vilhena diz ter dúvidas sobre a eficácia da
medida para reduzir os indicadores de cesárea. "Pelo contrário,
'oficializando' a prática, somente gestantes com mais recursos
poderiam fazer o parto normal", afirma.