Em artigo, advogada aponta que as empresas,
apesar de contratarem o plano, ficam em um papel de coadjuvante e
reféns do plano e da corretora que a representam
Recentemente, comprovei isso ao
acompanhar meu marido em um procedimento cirúrgico ambulatorial.
Passei horas brigando com o plano de saúde, até conseguir a
autorização para cobertura do mesmo. Estávamos em um renomado
hospital de São Paulo e, além de lidar com o estresse provocado
pelo diagnóstico e pela ansiedade do procedimento, precisamos
encarar também essa longa batalha para obter o que deveria
acontecer natural e rapidamente.
Por se tratar de um plano coletivo,
houve o envolvimento do RH da empresa do meu marido e da corretora
na tentativa de solução da questão. Infelizmente, as tentativas
foram infrutíferas e não foi possível a realização do procedimento
na data e horário agendados. Marcamos para o dia seguinte e
conseguimos a autorização do plano através da interferência de uma
pessoa conhecida.
A justificativa do plano de saúde
para a negativa de cobertura foi a de que não havia contratação com
aquele hospital para o ambulatório. Em um plano coletivo,
normalmente o beneficiário não tem contato direto com o plano de
saúde, a relação é intermediada pela corretora, de quem se espera
uma atuação eficiente e proativa.
Foi o que não aconteceu neste
caso.
A corretora orientou meu marido a
dar entrada no hospital pelo pronto socorro para uma cirurgia
eletiva, quando deveria buscar solução junto ao plano de saúde. Ela
poderia ser trabalhar pela negociação de uma internação, realização
do procedimento em hospital dia, liberalidade do plano para
pagamento do ambulatório, ou, até mesmo, nos sugerir outro
hospital. Mas o que realmente aconteceu foi uma indicação
errada.
Para aqueles que atuam na área de
saúde, sabem que essa orientação foi uma tentativa de driblar o
plano de saúde, e que só gerou desgaste e desperdício de tempo.
Nessas situações, o beneficiário do
plano e seus familiares costumam assistir atônitos e passivos o
desenrolar das tratativas e a apresentação das justificativas,
sobre as quais não têm o menor conhecimento. A empresa, apesar de
contratante do plano, fica em um papel de coadjuvante nesse cenário
confuso e refém do plano que contratou e da corretora que a
representa. Enquanto isso, os atores principais – plano, hospital e
corretora – gastam o tempo em discussões intermináveis e inúteis,
sob o enfoque do beneficiário.
Esse mercado tem legislação
específica e a atividade dos planos de saúde é regulada e
fiscalizada pela Agência Nacional de Saúde Suplementar – ANS. Em
junho de 2012, segundo dados fornecidos pela ANS, a quantidade de
beneficiários vinculados a planos coletivos superava 37 milhões,
enquanto o número de vínculos a planos individuais estava próximo
de 10 milhões.
Ou seja, as empresas, como
contratantes dos planos, são a mola propulsora desse mercado.
Entretanto, contratam algo que desconhecem e permanecem no papel de
coadjuvantes.
A ANS, por sua vez, regula a
atividade exercida pelo plano de saúde, mas não atua nos
intermediários, prestadores e, muito menos, na empresa contratante.
Entretanto, a sua atividade regulatória gera impacto em todos os
players do mercado, especialmente na empresa.
Com o avanço da regulamentação do
setor, o que se pretende é uma transformação, gerando um ciclo de
valor no qual os usuários sejam mais conscientes, as operadoras de
planos sejam gestoras da saúde, os prestadores de serviços,
produtores de cuidado de saúde, e a ANS passe a regular para
produzir saúde.
Entretanto, ainda estamos distantes
deste ideal. As empresas têm muita dificuldade em fazer a gestão e
promover a saúde de seus funcionários. Uma das principais razões é
a confusão dos papeis dos diversos envolvidos no sistema de saúde
suplementar, onde a doença continua sendo o foco. O negócio do
plano de saúde é a cobertura financeira para tratamentos; as
corretoras intermediam a relação entre o plano de saúde e quem os
contrata, tendo como negócio a comercialização desses planos;
médicos e hospitais trabalham, por sua vez, na sua grande maioria,
com o tratamento da doença – deixando de lado prevenção e promoção
de saúde.
As atuais necessidades da sociedade
nos obrigam a desenvolver um novo olhar, quebrando paradigmas e
alterando o nosso foco de atenção e atuação. Sem mudanças
significativas no sistema, os custos com a saúde continuarão
crescendo acima do nível aceitável para a sociedade, sem nenhum
reflexo na qualidade assistencial ou satisfação do paciente. Há
necessidade, conforme preconiza a ANS, de tornar o setor
suplementar um ambiente de produção de ações de saúde nos
territórios da promoção, proteção, recuperação e reabilitação da
saúde dos indivíduos, com o estabelecimento de vínculo entre
profissional da área e beneficiários e, principalmente,
responsabilização das operadoras pela gestão da saúde de seus
favorecidos.
A sustentabilidade da saúde nas
empresas tem sido tema de diversos debates com o objetivo de
transformar essas empresas em protagonistas na saúde suplementar e
torná-las mais atuantes no que se refere à promoção e manutenção da
saúde de seus colaboradores, buscando como resultado a vantagem
competitiva e a sustentabilidade dos negócios. Nesse sentido é
fundamental que o RH das empresas conheça cada vez melhor o setor
da saúde suplementar, seus atores e segmentos.
Vale a pena investir nesse
conhecimento, refletir sobre a natureza das relações existentes, a
atividade fim e o papel social de cada player. Com essa clareza é
possível contratar e gerir adequadamente o segundo maior custo das
empresas, o benefício saúde.
Milva Gois dos
Santos é advogada e especialista, há 15 anos, na área
de saúde suplementar, sócia da Borbonus e Santos Advogados
Associados, formada pela Faculdades Metropolitanas Unidas – F.M.U,
MBA em Direito da Economia e da Empresa pela Fundação Getúlio
Vargas – FGV/RJ, International Strategic Business Leadership pela
Universidade de Ohio. Autora de diversos artigos. Co-autora do
Capítulo “Health Business”, de “Doing Business in Brasil”, da
Britcham Câmara Britânica de Comércio, foi Gerente Jurídica e de
Relações Institucionais da Axismed Gestão Preventiva da Saúde S.A,
advogada da Omint Serviços de Saúde Ltda., Sul América Seguros, de
diversas empresas nacionais e multinacionais. Atuou em tradicionais
escritórios de advocacia.