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Saúde é motor para PIB no século XXI

Fonte: CQCS Data: 19 março 2021 Nenhum comentário

Setor representa o que foram o petróleo, a indústria automobilística e o aço no passado, diz pesquisador

Coordenador de prospecção e líder do grupo de pesquisa Desenvolvimento e Saúde da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), Carlos Grabois Gadelha afirma que a saúde é uma das principais forças para o crescimento da economia neste século – como foram o petróleo, a indústria automobilística e o aço no passado – e que a pandemia mostrou que os países que não investirem em saúde ficarão vulneráveis e sem crescimento.

“Sem capacidade econômica, produtiva e tecnológica na saúde, não teremos direito à vida ”, diz ele, que defende fortalecer o complexo econômico-industrial da saúde, com iniciativas como reconstrução da capacidade de atuação sistêmica do governo e financiamento para ciência e tecnologia.

 Foi lançado ontem o projeto Desenvolvimento, saúde e mudança estrutural: O Complexo Econômico-Industrial da Saúde 4.0 no contexto da covid-19, coordenado pela Fiocruz para pensar políticas para o setor. A seguir, os principais trechos da entrevista ao Valor Econômico:

Valor: No novo mundo pós-pandemia, qual é o papel da saúde?

Carlos Grabois Gadelha: A saúde é uma das áreas mais críticas para as perspectivas de futuro em termos globais e para a inserção do Brasil. É um complexo econômico que representa 10% do Produto Interno Bruto [PIB]. Nos países mais desenvolvidos, essa parcela do PIB se aproxima de 15%, caminhando para 20%. No Brasil, são R$ 700 bilhões em termos de valor adicionado por ano, mais do que o peso de toda a indústria. Se no século passado se falava em petróleo, aço ou indústria automobilística, não tenho dúvida de que neste século a gente vai falar de quarta revolução tecnológica, do complexo industrial da saúde, de tecnologia de informação e de comunicação.

Valor: E como fica a relação entre a saúde e a economia?

Gadelha: Com a pandemia, o que vínhamos estudando há 20 anos na Fiocruz, ao tratarmos do complexo econômico-industrial da saúde, se confirmou. A saúde é vetor e mola propulsora do desenvolvimento. Ao mesmo tempo, quem não tiver capacidade econômica, produtiva e tecnológica em saúde vai ficar fora do século XXI e vulnerável. Sem capacidade econômica, produtiva e tecnológica na saúde, não teremos direito à vida. Como dizia [John] Keynes, a economia deve estar a serviço da sociedade, não há contradição entre vida e economia. Ou a gente a junta as políticas de ciência, tecnologia, industrial e de inovação, direcionadas por um serviço social, que é o acesso universal à saúde e o direito à vida, ou o Brasil vai crescer pouco, ser pouco dinâmico e não vai garantir o direito à vida.

No contexto atual, investir na saúde poderia ser o motor principal para tirar a economia da crise. Um programa de investimento público que puxasse o investimento privado na produção de medicamentos, de vacinas, de equipamentos e em toda área de serviços, tecnologia de informação e software seria um belo programa para cuidar da vida e da saúde e, ao mesmo tempo, gerar emprego, inovação e investimento. No fundo, é necessário mudar os óculos míopes que veem a saúde como despesa. O gasto em saúde é investimento. Quem não tem saúde não tem futuro. É necessário mudar os óculos míopes que veem a saúde como despesa, é investimento. Quem não tem saúde não tem futuro”

Valor: Qual é o foco do estudo que acabam de lançar?

Gadelha: É um trabalho conjunto liderado pela Fiocruz, com 35 pesquisadores, de dez instituições ao todo, com o tema “Desenvolvimento, saúde e mudança estrutural: O Complexo Econômico-Industrial da Saúde 4.0 no contexto da covid-19”. Fizemos uma parceria com o Centro Internacional Celso Furtado, que dedicou uma edição inteira da revista “Cadernos do Desenvolvimento” ao tema. A revista junta o pensamento da economia do desenvolvimento com um pensamento sanitarista que coloca a economia a serviço da saúde, e não o inverso.

A ideia é pensar a retomada do desenvolvimento no contexto da pandemia e no contexto pós-pandemia. A marca dessa revista é trazer uma visão que coloca um novo paradigma de política pública, com propostas de políticas que relacionam as questões estruturais do crescimento econômico com o enfrentamento das enormes carências do SUS. O mundo da saúde coletiva não falava da centralidade do desenvolvimento econômico, social e produtivo no campo da saúde. E havia quem achava que fazer política industrial e tecnológica para o complexo de saúde seria uma aberração. Mostramos que essa convergência é possível.

Valor: O que o conceito do complexo econômico-industrial da saúde engloba?

Gadelha: O conceito do complexo econômico-industrial da saúde mostra que há uma interdependência entre as dimensões econômicas e sociais do desenvolvimento. O complexo é o outro lado da moeda do SUS. Sem base econômica, tecnológica e material, o sistema universal não tem sustentação, tem os pés de barro. A questão é a interdependência: não posso enfrentar a covid-19, por exemplo, sem atenção básica, sem atenção especializada, sem vacina, sem ventilador e sem medicamento anestésico. Se qualquer parte desse sistema não funciona, há impacto.

O complexo engloba quatro subsistemas importantes. O primeiro é o de base química e tecnológica, onde estão toda a indústria farmacêutica e as vacinas. O segundo é a de base mecânica e eletrônica, onde se encontra a produção de equipamentos e materiais como ventiladores, ressonância e tomógrafos. Há o terceiro, que engloba todo o sistema de serviços e de tratamento de saúde, onde está a atenção primária e especializada. E existe agora um quarto subsistema, que é o de informação e de conectividade, que invade todos os demais. A vacina para a covid-19 não teria sido desenvolvida em menos de um ano sem inteligência artificial e sem uso sistemático de “big data” para avaliar a eficácia das vacinas quase em tempo real. Se essas áreas não conversam, o tratamento para a covid-19 vai fracassar.

Valor: E o que esse quarto subsistema muda a realidade da saúde?

Gadelha: A distância entre os países e empresas que têm ou não tecnologia aumentou. Quase 90% das patentes estão em apenas dez países. É preciso correr no tempo e diminuir a distância, é o grande desafio estratégico. O sistema da saúde está passando por uma revolução completa. Não se faz mais medicamento, vacina ou atenção primária sem inteligência artificial e “big data”. Quem não acompanhar a revolução [da saúde] não vai conseguir atender sua população nem na covid-19 e nas suas consequências nem nas futuras pandemias e nos desafios da saúde pública que vamos enfrentar.

Antigamente, os economistas falavam em déficit comercial de equipamentos, de reativos… A pandemia mostra que a visão de sistema econômico e produtivo do complexo é essencial para o desenvolvimento. É preciso calcular o déficit comercial da saúde, e não apenas de equipamentos. A importação em saúde no país atinge US$ 15 bilhões. Se somar o que se paga por conhecimento, softwares e patentes, o valor chega a US$ 20 bilhões.

O Brasil hoje gasta o equivalente a um orçamento inteiro do Ministério da Saúde sem gerar emprego, inovação, nem conhecimento que seja desenvolvido pelas instituições brasileiras.

Valor: Que políticas públicas são necessárias?

Gadelha: A primeira questão é recuperar institucionalidade perdida quando foi encerrado o grupo executivo que tratava do complexo da saúde. É preciso uma política sistêmica para articular ações de governo, isso não é blá-blá-blá. Sem isso, a área social vai para um lado, a industrial, para outro, assim como a econômica e a de ciência e tecnologia. Além disso, os investimentos devem ser vistos como políticas de Estado de longo prazo. A Fiocruz e o Instituto Butantan só estão dando respostas agora pelos 20 anos de investimentos em inovação.

É importante também criar um ambiente institucional seguro para o gestor público poder inovar. Devemos imitar o [Joe] Biden, que atualizou o “Buy American Act” [preferência a produtos fabricados nos EUA]. É preciso usar o poder do Estado para que as compras públicas gerem emprego e renda no Brasil. As políticas de financiamento também são importantes, tanto com recursos orçamentários, quanto via BNDES e Finep. É preciso vincular o financiamento a produzir e gerar conhecimento no Brasil.

 

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