Por Bruno Barchi
Muniz | Excepcionalmente, nesta
segunda-feira
O STF julgou nos últimos dias de
2020 a Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC) nº 66,
relatada pela ministra Cármen Lúcia.
E por que esse julgamento foi tão
importante para os profissionais liberais?
Porque se discutiu a
constitucionalidade do art. 129, da Lei nº 11.196/2005, que assim
dispõe:
Art. 129. Para fins fiscais e
previdenciários, a prestação de serviços intelectuais, inclusive os
de natureza científica, artística ou cultural, em caráter
personalíssimo ou não, com ou sem a designação de quaisquer
obrigações a sócios ou empregados da sociedade prestadora de
serviços, quando por esta realizada, se sujeita tão-somente à
legislação aplicável às pessoas jurídicas, sem prejuízo da
observância do disposto no art. 50 da Lei nº 10.406, de 10 de
janeiro de 2002 - Código Civil.
Essa lei, que já possui 15 anos de
vigência, autoriza, em suma, a diversidade de formas de prestação
de serviços de acordo com o desejo do prestador, permitindo
amplitude à contratação por terceirização e admitindo que os
serviços intelectuais, os de natureza científica, artística e
cultural sejam prestados através de pessoas jurídicas, se o
prestador assim quiser.
Já tivemos, cerca de dois anos
atrás, a confirmação pelo STF de que a terceirização no Brasil pode
ser ampla, inclusive da atividade-fim, conforme decidido em
repercussão geral, no Tema 725:
É lícita a terceirização ou
qualquer outra forma de divisão do trabalho entre pessoas jurídicas
distintas, independentemente do objeto social das empresas
envolvidas, mantida a responsabilidade subsidiária da empresa
contratante.
Ainda assim muitas empresas e
profissionais mantinham grave insegurança junto a processos na
Justiça do Trabalho e junto ao Conselho Administrativo de Recursos
Fiscais (CARF).
Isso porque a Justiça Trabalhista,
principalmente nas instâncias intermediárias, possui uma cultura
não alinhada ao novo posicionamento do STF sobre formas de
contratação e nem mesmo à legislação - que sequer é nova.
No CARF o problema se relaciona aos
valores de tributos a serem recolhidos a título de Imposto de Renda
e Contribuições Sociais. Isso porque os percentuais cobrados das
pessoas jurídicas são consideravelmente inferiores aos cobrados das
pessoas físicas, razão pela qual há interesse do fisco em forçar a
interpretação de que devem atuar sob essa última, desconsiderando a
vontade das partes legitimamente amparada em lei.
Se você já ouviu por aí sobre
notícias de que o Neymar ou o Felipão estariam devendo imposto ao
governo federal, boa parte da controvérsia é sobre esse tema.
Tudo é considerado pelas
autoridades como "fraude", mesmo que não haja fraude alguma.
O Ministério Público do Trabalho é
outro órgão que muitas vezes se apresenta como "protetor" de quem
não precisa de proteção, causando problemas graves às relações de
trabalho.
A entidade autora da Ação
Declaratória de Constitucionalidade foi a Confederação Nacional de
Comunicação Social (CNCOM), que congrega entidades de comunicação,
rádio e TV e afins.
Já é sabido que a maioria dos
jornalistas prestam serviços aos canais e jornais com suas pessoas
jurídicas. Aliás, notícias sugerem que recente debandada de
profissionais do Grupo Globo seria vinculado justamente ao fato de
que a empresa agora estaria buscando formar vínculos nos moldes da
CLT, fato que desagradou alguns jornalistas e artistas da casa.
Mas isso vai além.
Na atividade médica, por exemplo,
posso afirmar, sem medo de errar, que 99,99% dos médicos que
prestam serviços em hospitais públicos e privados o fazem com suas
respectivas pessoas jurídicas. E isso é algo amplo, irrestrito e
feito às claras, podendo até mesmo ser consultado pelo Cadastro
Nacional de Estabelecimentos de Saúde (CNES).
Para o hospital isso é conveniente,
pois elimina encargos, e para os profissionais da saúde também é,
pois, além de aliviar custos operacionais, propicia maior liberdade
e a possibilidade de trabalhar em vários estabelecimentos, conforme
seu próprio interesse e cronograma.
Ainda assim, várias ações são
propostas pelo Ministério Público do Trabalho contra o que entende
serem "burlas" à relação de trabalho e a Justiça do Trabalho não
raro acolhe esse tipo de ação e condena tanto a empresa médica
quanto o hospital a pagarem penalidades que vão para certos fundos
geridos por outros órgãos, sem que ninguém tenha tido qualquer tipo
de prejuízo e, ao revés, ambas as partes tenham desejado esse tipo
de contratação, que, lembremos, é autorizada por lei.
Resultado: o médico acabava sem
possibilidade de trabalhar e o hospital sem a possibilidade de
contratar mão de obra dentro de seu orçamento, causando a ruptura
da relação econômica e prejuízo à coletividade que precisava
daquele estabelecimento de saúde. E tudo isso porque alguém
entendeu que devia "proteger" alguém que estava apenas vivendo sua
vida.
O problema da falta de liberdade
econômica no Brasil vem de tempos imemoriais. O controle do Estado
sobre a vida do indivíduo é quase ilimitado, com ele agindo como
verdadeiro senhor da população em geral.
É inusitado que se tenha que propor
uma ação para fazer valer uma lei obviamente constitucional, ainda
mais depois que o STF já esclareceu acerca da terceirização no
Direito Brasileiro.
De qualquer modo, o que importa no
momento é a confirmação, pelo STF, de que a prestação de serviços
através de pessoa jurídica é constitucional, adequada e não pode
ser presumida como qualquer espécie de fraude, mas deve ser
interpretada como escolha organizacional e operacional.
Assim, a decisão desse caso é de
grande valia para os mais diversos ramos de profissionais liberais,
que poderão garantir o seu direito de trabalhar e prestar serviços
conforme a lei autoriza e as autoridades não queriam permitir.