Por Reinaldo Scheibe, presidente da
Abramge, no Estadão
A pandemia da covid-19 pegou o
mundo inteiro despreparado. À medida que a doença ia se
disseminando pelos diversos países, as autoridades foram se dando
conta da insuficiência de equipamentos de proteção individual, de
leitos clínicos e de UTI, de insumos para a realização de testes em
massa, de respiradores e de profissionais de saúde.
No Brasil, tal como em outros
países assolados pela pandemia, a sociedade se viu frente a frente
com as mesmas questões sobre o funcionamento do sistema de
assistência à saúde. Não só no setor público, mas também no setor
privado, que é responsável, através dos planos de saúde, por dar
cobertura médico-hospitalar a um quarto da população — o chamado
Sistema de Saúde Suplementar.
Tal como os órgãos públicos de
assistência, em fevereiro desse ano, tão logo ocorreram os
primeiros registros oficiais de contaminação pela covid-19, as
operadoras de planos de saúde se depararam com dúvidas até então
nunca sentidas: existirão leitos suficientes? A infraestrutura de
saúde privada comportará o aumento extraordinário da demanda? O que
o setor privado pode fazer para evitar que o sistema de saúde no
Brasil sofra um colapso, tal como ocorreu em países desenvolvidos e
com renda per capita muito superior à nossa, como a Itália?
Esses são alguns dos dilemas que
temos nesta guerra contra um inimigo que se espalha rapidamente,
compromete o sistema respiratório de pelo menos 20% daqueles que
têm contato com o vírus, exige a internação de ao menos 5% e está
ceifando a vida de outros tantos.
As respostas a tais perguntas não
são fáceis e há uma cobrança, justa, sobre qual deveria ser a
contrapartida oferecida pela saúde suplementar durante essa
pandemia. Frente a essa cobrança, quais as opções que se colocaram
para a Saúde Suplementar?
A primeira, trazida pela Agência
Nacional de Saúde Suplementar, é a de liberar recursos financeiros
das reservas técnicas dos planos de saúde para que as operadoras
façam frente aos custos gerados pela emergência da pandemia. Isso
com a condição de que as operadoras se comprometam, entre outras
coisas, a manter a cobertura médico-hospitalar aos contratantes
mesmo quando estes deixem de pagar as mensalidades dos planos.
Se não aceitam essa condição, a
opção colocada para as operadoras se reduz a levar adiante, sem
aqueles recursos adicionais, os investimentos necessários e
urgentes para reforçar a rede de atendimento: transformar leitos
clínicos em leitos de UTI, acelerar a abertura de novos hospitais,
investir em hospitais de campanha etc. etc.
Na opção um, o montante a ser
liberado pela autoridade reguladora giraria em torno de R$ 1,5
bilhão a R$ 4,2 bilhões. Ou seja, em troca de um compromisso que
certamente estimularia a escalada nas taxas de inadimplência numa
extensão imprevisível, as operadoras teriam à sua disposição um
volume de recursos que, embora pareça muito significativo, é
pequeno frente ao tamanho das suas obrigações financeiras, em
especial com o custeio das redes de atendimento. Os bilhões a serem
disponibilizados seriam suficientes para garantir entre 3 a 8 dias
de gastos da saúde suplementar quando estamos diante de uma
pandemia que pode perdurar por meses.
No caso específico de diversas
operadoras associadas à Abramge a soma dos recursos à disposição
não alcançaria R$ 10 milhões, e elas, por outro lado, teriam de
atender a uma série de exigências e se sujeitar a multas de até R$
1 milhão em caso de descumprimento, conforme explicitado no termo
de compromisso apresentado pela ANS. Diante dessas limitações,
seria mais prudente para as empresas buscar recursos em outras
fontes.
Colocado diante dessa encruzilhada,
o setor fez a sua opção: reforçar a capacidade de atendimento com
investimentos emergenciais na rede de assistência por sua própria
conta. Seguirá firme, portanto, pelo caminho que preservará o
sistema privado e lhe permitirá continuar prestando assistência e
salvando vidas. Zelando para que o sistema privado não sofra um
colapso, contribuímos também para não sobrecarregar ainda mais o já
tão demandado SUS.
Sem desconsiderar a
excepcionalidade da situação, as operadoras procurarão administrar
a inadimplência contrato por contrato, avaliando caso a caso as
possibilidades e oferecendo soluções que não comprometam a
assistência dos milhões de beneficiários da saúde suplementar, pois
estes contam com essa assistência como a efetiva contrapartida dos
seus planos de saúde.