Somente nos três primeiros meses deste
ano foram julgadas 117 ações por dia
O número de ações movidas contra
planos de saúde disparou em São Paulo. Somente nos três primeiros
meses deste ano foram julgadas 117 ações por dia de usuários
inconformados, por exemplo, com negativa de atendimento, rescisão
do contrato por decisão da operadora ou aumento abusivo das
mensalidades. Dados do Observatório da Judicialização da Saúde
Suplementar, do Departamento de Medicina Preventiva da Faculdade de
Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP), mostram que, na
primeira instância, foram 4.775 decisões no primeiro trimestre –
dez vezes mais do que o registrado em 2011. Na segunda instância,
onde os recursos são analisados, a tendência não foi diferente.
Foram 2.606 decisões, uma média diária de 28,9 – três vezes maior
que a de 2011. “Essa é apenas a ponta do iceberg”, afirma o
professor da FMUSP e coordenador da pesquisa, Mário Scheffer. Ele
observa que apenas uma parcela da população tem acesso a advogados
e à informação sobre os direitos que estão sendo descumpridos. “O
mais dramático é o que isso representa: as pessoas ficam sem a
assistência justamente no momento de maior necessidade, quando
ficam doentes.”
O advogado Eliezer Domingues Lima
Filho percebe em seu escritório a realidade indicada pela pesquisa.
“Nos últimos dois anos houve um aumento expressivo de clientes que
querem recorrer à Justiça, principalmente pessoas que contrataram
planos por adesão.”
É o caso de Maria Izabel Musolino de
Miranda, de 61 anos. “Ela estava em casa e recebeu um telefonema de
um corretor, perguntando se não precisava de um plano. Foi o começo
do problema”, recorda o filho, o representante comercial Marcelo
Musolino de Miranda. Após uma oferta tentadora, o plano foi fechado
para vários integrantes da família. Além de Maria Izabel, dois
filhos (incluindo Marcelo) e um neto. “Ela se associou a uma
instituição só para podermos fazer o plano.”
As condições eram ideais, com
mensalidades razoáveis e uma cobertura considerada muito boa. Os
problemas surgiram há três anos, um ano depois do telefonema. Maria
Izabel, então com 59 anos, teria um reajuste na mensalidade de
164%. “Imagine o susto. Eu pagava para ela R$ 470. Com a mudança, o
valor subiu para R$ 1.200”, recorda Musolino. Os reajustes dos
demais integrantes do grupo foram mais altos do que os individuais,
mas não tão expressivos.
“É um artifício comum para burlar a
lei. Como a partir dos 60 os reajustes não são permitidos,
operadoras aumentam de forma expressiva a mensalidade quando o
usuário tem 58, 59 anos”, disse Lima Filho.
No caso de Maria Izabel, uma ação foi
interposta, o reajuste da mensalidade, revisto para 7,5% e a
operadora, condenada a devolver valores. “Imagine se eu não tivesse
recursos para arcar com o aumento até que a ação fosse
avaliada.”
Bomba-relógio Lima Filho atribuiu o
aumento das ações sobretudo às características dos planos de saúde
atualmente no mercado. “Não se vê mais planos individuais, que
estão muito mais protegidos pela lei do que os coletivos e os por
adesão.”Para ele, o fenômeno era esperado. “Num momento isso iria
acontecer. Os planos tentaram driblar a lei que regulamenta o
setor, ofertando planos submetidos a regras mais flexíveis,
sobretudo de reajuste de preços. Quando essa população começou a
precisar de fato da assistência, viu que o ofertado é muito
diferente do que foi vendido.” Scheffer tem avaliação semelhante.
“Era uma bomba-relógio que agora começa a explodir.”
As estatísticas anuais não deixam
dúvida. No ano passado, em São Paulo, foram 17.912 ações, quase
oito vezes mais do que as 2.267 de 2011. “Esse aumento não está
relacionado com a evolução do número de pessoas que têm planos de
saúde. Os indicadores do mercado ficaram praticamente estabilizados
no período.” Para o professor, os números são um alerta para o
debate sobre planos populares, em estudo no governo, que prometem
uma mensalidade mais baixa e uma rede de atendimento menor. “Isso
não funciona. Um plano com rede de assistência ruim, com
procedimentos muito limitados, deixa descoberto o consumidor
justamente quando ele mais precisa.” Já o diretor da Associação
Brasileira de Planos de Saúde (Abramge), Pedro Ramos, criticou o
estudo. Ele afirma que os resultados refletem processos movidos por
pessoas de classes econômicas mais privilegiadas. “São pessoas que
compram serviços de uma rede de assistência, mas depois querem ser
atendidas em hospitais que seus médicos indicam”, avalia. Para ele,
o movimento é sobretudo fruto de uma ação mais agressiva de
advogados. “Não existem os de porta de cadeia? Há também os de
porta de hospital.”
Ramos diz que a judicialização provoca
prejuízos significativos. “Chega a R$ 1 bilhão por ano. Tem
judicialização até para spa.” Mas reconhece que em muitos casos o
pedido feito pelos usuários é procedente. Ele admite um erro das
empresas ao terceirizar a venda. “Corretores prometem coisas,
preenchem formulários e muitos detalhes não são explicados.” As
informações são do jornal O Estado de S. Paulo.