A queda das taxas de juros iniciada há um ano pegou as
seguradoras de calças curtas, principalmente as que atuam com
passivos de longo prazo. Isso porque as reservas (provisões
técnicas) que elas guardam para pagar seus compromissos futuros
passaram a render juros, no mínimo, cerca de 5,25 pontos
percentuais a menos desde agosto do ano passado, quando o Banco
Central começou a cortar a Selic. Essa diferença terá que ser
compensada com aportes das seguradoras.
A necessidade de aportes nas provisões teria chegado a R$ 6
bilhões só no primeiro semestre, segundo estimativas que circulam
no mercado. Só a Bradesco Seguros fez um aumento de pouco mais de
R$ 2 bilhões no terceiro trimestre.
Provisão técnica é o valor mínimo necessário que a seguradora
precisa guardar do que recebeu pelo seguro ou pelo aporte no plano
de previdência para garantir o pagamento de suas obrigações
futuras. Para comprovar a capacidade da seguradora de honrar essas
obrigações, o regulador determina que seja feito semestralmente um
exercício que, na prática, simula a capacidade da seguradora de
pagar hoje, com a taxa de juros da economia atual, todos as
indenizações e benefícios futuros.Isso é o chamado de teste de
adequação de passivos (TAP).
Como pelas regras da Superintendência de Seguros Privados
(Susep) essa taxa é atrelada à Selic, quanto mais a taxa de juros
básica cai, maior a necessidade de aumentar as provisões para
preencher esse "gap". A Selic caiu num ritmo maior que o esperado
do ano passado para cá, o que gerou a necessidade de ajustes
maiores nas provisões neste ano.
O Valor apurou que as seguradoras mais afetadas são as que
possuem passivos de mais longo prazo, como seguro de vida e planos
de previdência, principalmente planos antigos que prometiam
rendimento mínimo - resquício dos tempos de altas taxas de
inflação. Essas empresas seriam Bradesco Seguros, SulAmérica,
Santander (com a antiga carteira do Banco Real), Brasilprev e Itaú
Seguros.
Na casa dos bilhões, esse aumento no passivo poderia ter causado
prejuízo nos balanços semestrais de algumas seguradoras, de acordo
com um executivo do setor que pediu para não ser identificado. Esse
prejuízo foi evitado, porém, porque a Susep suspendeu a aplicação
dos testes, a pedido das seguradoras, até dezembro ou até que seja
definida uma nova regra.
Desde agosto, a Susep formou um grupo de trabalho com o mercado
de seguros para redefinir as novas regras do teste. Até o momento,
o mercado teve acesso a uma minuta que propõe que as seguradoras
possam compensar o déficit de provisão de uma carteira de plano de
previdência com o superávit de uma carteira de vida, por
exemplo.
Procuradas, Brasilprev, Itaú Seguros e SulAmérica não se
pronunciaram. A Zurich, que comprou a carteira de seguros do
Santander, formando a holding Zurich Santander, disse que será
pouco afetada pelas novas regras. "As mudanças afetam muito mais as
carteiras que possuem taxa de juro garantida e nossa carteira é
muito recente. A expectativa é que o impacto em termos de solvência
seja muito baixo", afirma Mauricio Amaral, vice-presidente de vida
e previdência corporativa.
Os planos de previdência do tipo PGBL e VGBL não seriam tão
afetados pela queda na taxa de juros pois seu rendimento não é
garantido e oscila com a taxa básica. Também por esse motivo, a
Zurich aguarda a decisão final da Susep para calcular quanto
capital vai adicionar às suas provisões. "Por ser uma empresa
suíça, a seguradora no Brasil já atua sob regras de solvência muito
rígidas".
A Bradesco Seguros já divulgou no seu balanço do terceiro
trimestre uma adição de R$ 2,1 bilhões às suas provisões.
"Considerando o novo cenário de taxa de juros real, o grupo
segurador decidiu, com base em estudo econômico e atuarial, adequar
suas provisões técnicas de longo prazo, de modo a refletir esse
cenário", diz o relatório trimestral. De acordo com Tarcisio Godoy,
diretor de finanças e controle do grupo, o estudo mostrou que a
taxa de juro real mais adequada no longo prazo será de 3,5%.
Ao fazer esse estudo, a Bradesco se antecipou a uma obrigação
que todas as seguradoras teriam em dezembro, independentemente da
decisão final da Susep. No fim do ano, todas as seguradoras
precisam publicar um balanço consolidado que segue as normas de
contabilidade internacional (IFRS). Essas normas permitem que a
empresa defina, por meio de estudos como o do Bradesco, qual a taxa
que será utilizada para calcular a necessidade de provisões.
"A norma internacional é feita com base em princípios e por isso
é mais aberta e flexível, enquanto a normatização suspensa da Susep
definia regras mais rígidas", explica Carlos Matta, sócio da
consultoria PwC no setor de seguros. Como reguladora do setor, a
Susep suspendeu as regras que valiam para o balanço parcial do meio
do ano, dando tempo para que as seguradoras se adaptem à queda dos
juros e evitando que um prejuízo assustasse o mercado.
Do jeito que está, o mercado segurador precisará seguir duas
regras diferentes para fazer o mesmo teste, um de acordo com a
Susep e outro de acordo com o IFRS. Outra acréscimo que o regulador
fez às normas, atendendo aos pedidos do próprio setor, foi permitir
que as seguradoras que possuem títulos com rendimentos mais altos
que as taxas de juros atuais utilizem esses ativos para garantir um
volume equivalente de passivos - sem obrigar, portanto, a
seguradora a utilizar a taxa de juro atual para um título que ainda
rende pelas taxas antigas.
Procurada a Susep disse em nota que "existe uma dissonância
entre as empresas de maior investimento, mais capitalizadas, e as
de menor investimento" e que busca solucionar os problemas de
maneira benéfica para o segmento e para o consumidor.