Nas próximas décadas, os baby
boomers se aposentarão em massa e colocarão o sistema de seguridade
social sob forte estresse
Apenas alguns países já colocaram seu sistema previdenciário à
prova da demografia, sobretudo Suécia, Bélgica e Dinamarca
A maioria dos outros sistemas enfrentará dificuldades, cercados por
elevados déficits públicos e equilíbrio desigual entre
“sustentabilidade” e “adequação” – inclinados na maioria dos casos
a favor deste últimoO sistema previdenciário do Brasil ocupa a 43ª
posição – algumas lições de casa ainda devem ser feitas nas
reformas previdenciárias
O Grupo Allianz apresenta a
primeira edição do seu "Relatório Global do Sistema
Previdenciário", tomando o pulso dos sistemas em todo o mundo com
seu indicador próprio de previdência, o Allianz Pension Indicator
(API). O indicador segue uma lógica simples: inicia a análise com
os pré-requisitos demográficos e fiscais e, em seguida, continua a
examinar os sistemas previdenciários acerca de suas duas dimensões
decisivas: “sustentabilidade” e “adequação”. Assim, baseia-se em
três pilares e leva em consideração cerca de 30 parâmetros, que são
classificados em uma escala de 1 a 7, sendo 1 a melhor nota. Ao
somar todos os subtotais ponderados, o API atribui a cada um dos 70
países analisados uma nota entre 1 e 7, proporcionando assim uma
visão abrangente do respectivo sistema previdenciário.
"Dados demográficos e as
previdências foram ofuscados por outras políticas nos últimos anos,
principalmente as mudanças climáticas e, hoje, a luta contra a
Covid-19", disse Ludovic Subran, economista-chefe do Grupo Allianz.
"Mas você ignora a demografia por sua própria conta e risco, a
mudança demográfica logo estará de volta com uma vingança.
Neutralizar a iminente crise previdenciária e preservar a justiça e
a igualdade geracionais são fundamentais para a construção de
sociedades inclusivas e resilientes”.
A mudança dramática na demografia é
mais bem caracterizada pelo aumento da taxa de idosos inativos
economicamente: até 2050, crescerá de 77% a 25%, ou seja, mais
rápido do que nos últimos 70 anos desde 1950. Em muitas economias
emergentes, a taxa vai mais do que dobrar nas próximas três
décadas, isto é, em menos da metade do tempo que esse
desenvolvimento levou na Europa e América do Norte. O exemplo mais
proeminente é a China, onde a proporção aumentará de 17% para 44%.
Para os países industrializados, no entanto, o nível absoluto dessa
proporção é o principal motivo de preocupação, atingindo, por
exemplo, 51% na Europa Ocidental.
Esse desenvolvimento se reflete no
primeiro pilar do API, chamado de “pontos de partida”, que combina
mudança demográfica e situação financeira pública (margem
financeira). Não surpreendentemente, muitos países emergentes na
África ou na Ásia têm uma boa pontuação, pois a população ainda é
jovem e os déficits públicos e as dívidas são bastante baixos. Por
outro lado, muitos países europeus, como Itália ou Portugal, estão
entre os piores desempenhos: a população de idosos enfrenta dívidas
altas. "Para a maioria dos países industrializados, a velha piada
escocesa se aplica: se eu construísse um sistema previdenciário
estável, certamente não começaria por ali", disse Michaela Grimm,
autora do relatório. "E essa é a situação antes do coronavírus e
seu tsunami de novas dívidas. Um dos legados da atual crise
certamente será o de que teremos de dobrar nossos esforços para
reformar nossos sistemas previdenciários. O que havia sobrado de
margem financeira se foi para sempre”.
O segundo pilar do API é a
“sustentabilidade”, medindo como os sistemas reagem às mudanças
demográficas: existem estabilizadores embutidos ou o sistema será
destruído quando o número de colaboradores diminui e o número de
beneficiários continua subindo? Nesse contexto, uma alavanca
importante é a idade da aposentadoria. Na década de 1950, um homem
de 65 anos, em média, morando na América do Norte ou Europa,
poderia esperar passar cerca de 12,5 anos na aposentadoria. Hoje, a
expectativa média de vida adicional de uma pessoa de 65 anos é de
17,6 anos e deve aumentar para 20,8 anos em 2050. Como
consequência, a proporção entre vida profissional e tempo de
aposentadoria diminuiu acentuadamente. Os países que decidiram
ajustar a idade legal para aposentadoria ou o aumento dos
benefícios ao desenvolvimento de uma expectativa de vida adicional
- como a Holanda - têm, portanto, um sistema previdenciário mais
sustentável do que os países onde adiar por mais tempo a
aposentadoria ainda é um tabu.
O terceiro pilar do API classifica
a “adequação” do sistema previdenciário, questionando se eles
proporcionam um padrão de vida adequado na velhice. Elementos
importantes são a taxa de cobertura – ou seja, qual a proporção da
população em idade ativa e do grupo em idade de aposentadoria
coberta pelo sistema previdenciário? – a relação de benefícios – ou
seja, quanto (em termos de renda média) um aposentado recebe? – e,
por último, mas não menos importante, a existência de fundo pensão
para idosos e outras fontes de renda financiadas por capital. No
geral, a pontuação média no pilar de “adequação” (3,7) é um pouco
melhor do que a do pilar de “sustentabilidade” (4,0), um sinal de
que a maioria dos sistemas ainda atribui maior peso ao bem-estar da
atual geração de aposentados do que a da futura geração de
contribuintes e contribuições sociais. Os países que lideram o
ranking de “adequação” ainda têm pagamentos a aposentados bastante
generosos, como Áustria ou Itália, ou fortes segundo e terceiro
pilares, como Nova Zelândia ou Holanda.
No entanto, as soluções de
aposentadoria financiadas por fundos de pensão estão sob crescente
pressão no cenário persistente de baixa taxa de juros. A pandemia
da Covid-19 exacerbou ainda mais essa tendência, pressionando ainda
mais os rendimentos. "O cenário de baixo rendimento forçou os
fundos de pensão e as seguradoras de vida a explorar classes
alternativas de ativos", disse Cameron Jovanovic, chefe da proposta
global de aposentadoria do Grupo Allianz. “Esse impulso para
alternativas permite que os provedores de benefícios capturem o
prêmio de iliquidez que combina bem com a duração do portfólio.
Outra estratégia é descarregar o risco, em vez de buscar retornos,
já que as permutas de longevidade, transferências de risco de
pensão e configurações criativas de resseguro se tornam um meio de
otimizar a exposição assumida pelos fundos de pensão e pelas
seguradoras.”
A combinação das pontuações dos
três pilares do API fornece os resultados gerais: Suécia, Bélgica e
Dinamarca têm relativamente os melhores sistemas previdenciários do
mundo (veja a tabela). O Brasil, por outro lado, ocupa a 43ª
posição. Tem uma posição inicial difícil. A margem financeira é
relativamente baixa (mesmo antes da Covid-19). E em nenhum outro
país da América do Sul o envelhecimento da população será tão
rápido quanto no Brasil: a taxa de idosos inativos economicamente
quase triplicará nas próximas três décadas para cerca de 36%. Mesmo
após as reformas mais recentes, o Brasil ainda possui um sistema
previdenciário relativamente desigual: enquanto a pontuação de
“sustentabilidade” (4,3) está claramente abaixo da média global
(vide idade da aposentadoria e taxas de contribuição), a pontuação
de “adequação” (3,2) está muito acima, principalmente graças à boa
cobertura e a taxas de benefícios. Embora o Brasil já tenha feito
grandes progressos para melhorar o sistema, não se pode permitir
uma “fadiga” da reforma da Previdência: o trabalho ainda não está
concluído.
Os dez principais sistemas
previdenciários do mundo:
País
|
Classificação
|
Pontuação total
|
Pontos de partida (nota)
|
Sustentabilidade
(nota)
|
Adequação
(nota)
|
Suécia
|
1
|
2.9
|
3.4
|
3.0
|
2.6
|
Bélgica
|
2
|
2.9
|
4.3
|
2.9
|
2.3
|
Dinamarca
|
3
|
3.0
|
3.3
|
3.2
|
2.5
|
Nova Zelândia
|
4
|
3.0
|
3.5
|
3.8
|
1.9
|
EUA
|
5
|
3.0
|
3.1
|
3.3
|
2.8
|
Austrália
|
6
|
3.1
|
3.0
|
3.3
|
3.0
|
Países Baixos
|
7
|
3.1
|
4.0
|
3.9
|
2.0
|
Noruega
|
8
|
3.2
|
3.3
|
3.9
|
2.4
|
Bulgária
|
9
|
3.2
|
3.8
|
2.7
|
3.3
|
Canadá
|
10
|
3.2
|
3.4
|
3.8
|
2.6
|
|
|
|
|
|
|
Brasil
|
43
|
4.0
|
4.8
|
4.3
|
3.2
|