Polícia Civil concluiu inquérito
com os crimes de estelionato e homicídio qualificado. Investigação
teve reviravolta quase um ano depois do crime, e envolve seguro de
R$ 800 mil.
Seis
suspeitos de participação na morte de um homem com deficiência em
Porto Alegre, em fevereiro de 2017, foram indiciados por
estelionato e homicídio qualificado. Eles aguardam o andamento do
processo em liberdade por decisão da Justiça. Conforme a Polícia
Civil, uma posição do Ministério Público é aguardada. O delegado
responsável pela investigação afirma que “a prova é robusta”, e que
todos deveriam estar presos.
A vítima é
André Fonseca Zanirati, mais conhecido por Alf, que tinha 49 anos e
morava no bairro Cavalhada, Zona Sul da capital gaúcha. Segundo a
família, ele tinha deficiências na fala e de aprendizagem e era
conhecido por todos na região. Costumava ficar na Praça dos
Bancários, no bairro Cavalhada.
Em
fevereiro de 2017, Alf sumiu. No dia 25, foi encontrado morto em
uma estrada no bairro Lami.
A investigação
policial seguiu até o fim do ano sem chegar a um autor. Até que a
polícia foi surpreendida pelo contato de uma seguradora.
“Havíamos
reunido um número robusto de provas, mas que não traziam uma
autoria para a gente (…) Em janeiro de 2018, surgiu uma situação
que nos chamou atenção. Nós fomos procurados pela seguradora para
saber em que pé andava a investigação da morte do André, porque
haviam contratado um seguro de vida em nome dele. E esse seguro de
vida havia sido contratado três meses antes da morte”, relata o
delegado Eibert Moreira Neto, da Delegacia de Homicídios e
Desaparecidos.
“Foi feito um
seguro de R$ 800 mil em nome dele. Por uma pessoa que ninguém nunca
ouviu falar na vida. Nunca viu na vida”, diz um familiar, sem se
identificar.
De acordo com o delegado,
a beneficiária do seguro era Malora Schunck Lorenzo, uma técnica em
enfermagem de Tramandaí, no Litoral Norte, que afirmou para a
polícia que mantinha um relacionamento com André.
Porém, ao ser
interrogada na delegacia, ela não o reconheceu em fotos mostradas.
“Quando nós, durante o depoimento, apresentamos algumas informações
para ela, tal como a foto da vítima, ela referiu não conhecer
aquela pessoa”, acrescenta
Eibert.
Familiares de André demoraram
a acreditar no que havia acontecido. “Ele não conseguiu se
alfabetizar, a não ser conseguir escrever o próprio nome, com
bastante dificuldade. Conhecia um pouco do dinheiro, mas era uma
pessoa que não tinha maldade Era uma criança, num corpo de adulto”,
define um parente.
No inquérito, a
polícia concluiu que um homem identificado como Kanitar do Espírito
Santo Neto era o coordenador do esquema. “Foi ele quem fez o seguro
em nome do André. Primeiro conseguiu documentos, depois se passou
pela vítima e até pagava mensalmente o seguro. Para não ser
descoberto, Kanitar usava um e-mail criptografado na deepweb, uma
rede oculta e não rastreável da internet”, explica o
delegado.
“O Kanitar,
então, gerou um e-mail da deepweb para que toda a documentação
gerada do seguro, tal como apólice e boletos para pagamento, fossem
encaminhados para a vítima, mas na realidade quem manuseava esses
e-mail era ele”, completa.
Além de
Kanitar, o esquema envolvia outras cinco pessoas, conforme a
investigação: o corretor de seguros Sérgio Augusto Corrêa de
Freitas, que foi quem fez o seguro, o advogado Miguel Machado, que
orientava a suposta companheira, beneficiária do seguro, o
motorista Gabriel Mayer Carpim da Silva, amigo de Kanitar e quem
indicou a colega de trabalho Malora Schunck Lorenzo para se passar
por companheira de André, e Rogério Tatsch Gehres, outro amigo de
Kanitar e quem teria indicado a vítima. Ele era vizinho de André,
teria conseguido os dados dele e, segundo a polícia, teria feito os
disparos.
“Essa
informação nós continuamos buscando, mas, pelo contexto, pelo que
conseguimos apurar, o Rogério é o principal suspeito”, diz o
delegado.
De acordo com Eibert, “o
caso de André pode ser apenas um dos homicídio praticados por essa
organização criminosa”. Esse é mais um fator para a Polícia Civil
defender a prisão dos seis indiciados.
“Já surgiu
informação nessa investigação, que outros seguros foram cotados por
essas mesmas pessoas que estão sendo indiciadas por este
estelionato e por essa organização criminosa”,
destaca.
Todos foram presos no
andamento da investigação, mas foram soltos por ordem
judicial.
“O tribunal
resolveu que não era o caso de mantê-los presos, tendo em vista que
eles não gerariam nenhum empecilho à investigação policial. Porém,
a prova é robusta no sentido de que todos eles responde pelo
estelionato contra a seguradora, responde por fazerem parte de uma
organização criminosa e respondem pelo homicídio qualificado de
André Fonseca Zaniratti”, conclui Eibert.
“Justiça,
justiça. Que todos sejam presos”, pede a família da
vítima.
O inquérito está com o
Ministério Público, sendo analisado pelo promotor Luiz Eduardo
Azevedo que, em função da gravidade da situação, diz que pretende
entregar a denúncia para a Justiça até sexta-feira (24).
Contrapontos
O advogado de
Malora diz que que sua cliente não tem participação direta em
nenhum dos crimes e que ela não sabia que o que estava fazendo era
ilegal.
A defesa de
Miguel diz que seu cliente é advogado e apenas foi contratado por
Malora. Ele vai tomar conhecimento do indiciamento e se reunir com
o cliente para os próximos passos da defesa.
A defesa de
Gabriel diz que ele é inocente de todas as acusações e que vai
provar isso no processo.
A advogada de
Rogério informou que todas as manifestações vão ser feitas na
Justiça, mas que o cliente é inocente.
A reportagem
não conseguiu contato com as defesas de Kanitar e do corretor
Sérgio. Os dois mudaram de advogados.