Não passou indiferente para quem atua
na área da saúde a notícia de que a Amazon, a Berkshire Hattaway e
o JP Morgan se
uniram para oferecer um sistema próprio de saúde para seus
funcionários, tendo contratado como CEO nada mais nada menos do que
Atul Gawande —cirurgião, escritor e pesquisador de saúde pública,
além de professor do Departamento de Política de Saúde e Gestão da
Escola de Saúde Pública de Harvard e de Cirurgia na Faculdade de
Medicina da mesma universidade.
A motivação para criar um sistema sem fins lucrativos para
autogerir a assistência oferecida aos funcionários das três
empresas é a insatisfação com o custo e com a qualidade do modelo
oferecido atualmente pelas operadoras americanas.
A iniciativa pretende, segundo o recém-contratado, combater três
tipos de problema: altos custos administrativos, preços elevados e
uso indevido do plano de saúde.
A notícia mexeu com as grandes operadoras americanas, que, afinal,
vão perder mercado. As operadoras brasileiras, no entanto, podem
ficar tranquilas e respirar aliviadas porque aqui a ANS (Agência
Nacional de Saúde Suplementar) emitiu a Resolução Normativa
355, que só admite a junção de trabalhadores caso suas
patrocinadoras pertençam ao mesmo ramo de atividade.
Dizendo de outra forma, aqui, a Amazon, que é uma empresa que
detém uma plataforma digital de venda e distribuição de produtos e
soluções em informática (ramo de atividade: varejo) não poderia se
associar ao JP Morgan, uma empresa do ramo financeiro; e ambas não
poderiam se juntar à Berkshire Hattaway, que atua em diversas
atividades comerciais.
A autogestão é a mais antiga forma de prestação de assistência
médica suplementar no Brasil, surgida em 1944, quando foi criada a
Caixa de Assistência dos Funcionários do Banco do Brasil
(Cassi).
Vários atributos diferenciam as autogestões (também denominadas
“serviços de saúde próprio de empresas”) dos demais segmentos que
atuam no mercado. É distintiva nas autogestões, por exemplo, a
característica de não expulsar os mais velhos, como acontece no
setor lucrativo, em função de preços proibitivos na última faixa
etária.
De acordo com a ANS, no segmento das autogestões a população acima
de 60 anos corresponde a 23,8% do total dos beneficiários de
assistência médico-hospitalar, quase o dobro da mesma taxa
verificada em todo o setor suplementar (13,3%).
As autogestões são classificadas como entidades de fins não
econômicos, ou seja, não têm finalidade lucrativa. Isso pode
parecer pouco importante em um ambiente capitalista, mas não é,
especialmente porque estamos tratando do mercado da saúde,
considerado pelos estudiosos como um dos mercados mais imperfeitos,
pois a busca do lucro é responsável por vários desvios de conduta e
pela realização de procedimentos desnecessários.
Frise-se ainda que as autogestões não gozam de nenhum privilégio
tributário, a não ser obviamente não serem taxadas sobre o lucro a
que não visam. As exigências da ANS também são as mesmas das demais
operadoras de mercado. Por isso, é incompreensível o fato de não
poderem se associar a outras autogestões ou mesmo buscarem adesões
livremente como os demais segmentos (cooperativas, seguradoras e
medicina de grupo).
Um segmento que possui atributos tão positivos deveria ser
estimulado a crescer. No entanto, as autogestões vivem uma quadra
difícil, ameaçadas pelo cerceamento de atuação imposto pela própria
agência reguladora, o que resulta em pequeno número de vidas (76%
com menos de 20.000 vidas), fato que aumenta substancialmente o
chamado risco relativo (chance da ocorrência de um único evento
poder desequilibrar financeiramente a operadora).
Não seria demais esperar que a ANS explicasse os fundamentos que
inspiraram a resolução normativa citada. Qual a justificativa para
isso? Com a palavra, a ANS.