Uma pauta de reivindicações
relacionadas à saúde está sendo preparada e deve ser entregue
aos pré-candidatos à Presidência e aos governos dos
estados brasileiros. A lista é fruto do 13.º Encontro
Nacional de Entidades Médicas (Enem), realizado no fim de junho em
Brasília. Nela haverá pelo menos sete pontos para melhorar o
sistema de saúde do Brasil.
Às vésperas das eleições, os
pré-candidatos à Presidência, aos governos estaduais e ao
legislativo federal e dos estados devem receber essa agenda. As
questões nela elencadas respondem a algumas das reclamações da
população brasileira que foram identificadas em uma pesquisa
encomendada pelo Conselho Federal de Medicina (CFM) ao Instituto
Datafolha e divulgada no fim de junho.
De acordo com Donizetti Giamberardino,
conselheiro pelo Paraná e coordenador da Comissão Nacional
Pró-SUS do CFM, “o levantamento foi feito para avaliar a situação
da saúde no Brasil do ponto de vista dos usuários desse sistema”. E
os resultados mostram que há muitos problemas a serem
corrigidos.
“Um dos princípios do Sistema Único de
Saúde (SUS) é o acesso universal à saúde. Isso, infelizmente, está
escrito, mas não é cumprido. O cidadão tem essa percepção porque
tem dificuldade para marcar consultas, para conseguir medicamentos,
consultas com especialistas e etc.”, diz Giamberardino.
Mais da metade dos entrevistados
(55%), por exemplo, classificam a situação da saúde no país como
ruim ou péssima. Diante de um sistema público defasado e de uma
rede privada que nem sempre cumpre o que promete, esse resultado é
reflexo da insatisfação para com as opções disponíveis no Brasil.
“Os cidadãos criticam o SUS, mas querem o SUS. Essa pesquisa
demonstrou que nosso país é um país de desigualdades e com muitas
dificuldades no aceso à saúde.” Como, então, melhorar o
sistema?
1. Emenda
Constitucional 95: a questão do congelamento das despesas
O documento com todas as
reivindicações das entidades de saúde ainda não está pronto, mas
Giamberardino adianta alguns pontos que estarão na lista. O
conselheiro começa mencionando a Emenda Constitucional n.º 95, de
2016. A emenda nada mais é que a concretização da famosa Proposta
de Emenda Constitucional (PEC) n.º 55, ainda mais popularmente
conhecida como a PEC do Teto de Gastos, que congelou as despesas
públicas por 20 anos, inclusive em áreas como saúde e educação.
“Temos várias propostas de defesa do SUS. De proteção desse sistema
que já está fragilizado, contra medidas financeiras de congelamento
adotadas pelo governo, como a [EC] 95”, diz o conselheiro do
CFM.
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Em uma das questões da pesquisa, 53%
dos entrevistados avaliam que o SUS não tem recursos suficientes
para atender bem a todos.
2. Fixação dos
médicos em cidades remotas
Quando se fala em saúde em um
território de dimensões continentais como o Brasil, uma das grandes
dificuldades é garantir atendimento rápido e de qualidade no
interior do país. Para que o SUS passe a cumprir efetivamente esse
papel, as entidades devem apresentar “algumas propostas relativas a
ter uma política de fixação do médico nas cidades remotas. Porque a
atenção primária é primordial e você só vai conseguir isso com
profissionais que estejam realmente comprometidos com o sistema.
Isso não se resolve com contratos temporários”, explica
Giamberardino.
3. Integração
da rede de saúde das pequenas localidades
Segundo o Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística (IBGE), o Brasil tem 5.570 municípios. E as
disparidades entre eles, em termos de atendimento de saúde, são
gritantes – inclusive dentro de um mesmo estado. Por exemplo:
enquanto Curitiba tem 253 estabelecimentos que atendem pelo SUS,
Cafeara, no norte do Paraná, tem apenas um.
“Hoje os municípios é que são
responsáveis pela saúde. Não se pode deixar para o município
pequeno resolver todos os problemas de saúde dos cidadãos, porque
ele não tem capacidade para isso. O que ele vai fazer é colocar as
pessoas em uma ambulância e mandar para o centro maior”, afirma o
conselheiro do CFM.
Por isso, uma das propostas do
documento que está sendo preparado pelas entidades é que as cidades
do interior estejam integradas umas às outras do ponto de vista do
atendimento à saúde em uma espécie de consórcios regionais. Assim,
o serviço que falta em uma cidade pode ser oferecido pela outra e
vice-versa, de modo a diminuir a distribuir a demanda de forma mais
igualitária.
4. Concursos
públicos para médicos
A escassez de concursos públicos para
médicos também preocupa as entidades. “Eu acho que eles
praticamente não existem. Há muita terceirização e, com isso,
poucos editais para concursos para médicos no Brasil”, avalia
Giamberardino.
Para ele, esse fator influencia
diretamente nos dois pontos anteriores. Com contratos temporários,
os médicos não se interessam por trabalhar em localidades remotas e
os problemas na saúde primária desses lugares seguem se acumulando.
A pequena quantidade de concursos também está diretamente ligada à
quinta reivindicação da lista.
5. Proliferação
de escolas médicas
Atualmente, 299 cursos de Medicina
estão em atividade regular em todo o país, de acordo com dados do
Ministério da Educação (MEC). Juntos, eles somam mais de 31,5 mil
vagas. O conselheiro do CFM diz que, hoje, há uma “irresponsável
proliferação de escolas médicas. Estamos preocupados com a
qualidade da formação desses jovens médicos, mas [também com o fato
de que] eles vão cair em um mercado em que não há uma carreira
estabelecida”.
Em abril de 2018, o MEC suspendeu por cinco anos a
criação de novos cursos de Medicina no país e a ampliação
do número de vagas nos cursos já existentes. A medida, segundo o
ministério, foi tomada para que haja mais controle da qualidade
desses cursos.
“É logico que todo prefeito quer ter
uma faculdade de Medicina em sua cidade, mas essas escolas têm que
ter a mínima estrutura para formar profissionais. Nos últimos anos
os interesses comerciais de escolas privadas prevaleceram e a
abertura ficou descontrolada”, opina Giamberardino.
6. Sistema
privado: regulação das operadoras de saúde
O conselheiro conta que também faz
parte da lista de reivindicações a regulação das operadoras de
saúde. “Na saúde complementar há uma reivindicação de que os
contratos entre médicos e operadoras de saúde existam e sejam
cumpridos.”
Os planos populares também estão na
mira das entidades médicas. “Essa linha tem a única finalidade de
minimizar o acesso deficiente à saúde. A pessoa paga por consulta,
mas, quando precisar de algo mais complexo, terá de voltar ao SUS.
Ou seja, o SUS passa a financiar o setor complementar, que é o
privado.”
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planos de saúde
7. Uma saúde
universal e independente da política
Outro ponto que precisa ser levado em
conta para fortalecer o sistema de saúde brasileiro é o
descolamento entre as políticas públicas de saúde e a política. “A
saúde é um direito fundamental. Eu entendo que ela tem que ser
vista como um investimento prioritário, não como uma despesa.
Precisamos de um financiamento mínimo compatível, mas também de uma
gestão organizada, que não seja político-partidária. Tem que ter
foco no interesse do cidadão”, afirma Giamberardino.
Para ele, embora o SUS seja uma das
políticas de saúde mais audaciosas do mundo, na prática ele não
cumpre o que deveria. “Temos subfinanciamento, problemas de gestão
e problemas na rede de integração. A principal porta de entrada é a
atenção básica. Mas o cidadão, quando não tem acesso facilitado por
essa porta, vai procurar alternativas para resolver seu problema
porque o Estado não o fez.”
A diminuição
das filas de espera
Analisar os resultados da pesquisa
realizada pelo Datafolha é mergulhar no universo das filas de
espera. Dentre os entrevistados, 39% estão ou têm alguém em casa
que esteja aguardando a marcação ou realização de consulta, exame,
procedimento ou cirurgia pelo SUS. Desses, 45% já estão na espera
há mais de seis meses. A demora no atendimento dificulta os
tratamentos e afeta diretamente a saúde dos cidadãos.
“Sempre que o tempo de espera foi
maior que seis meses ele deve ser questionado. Se você vai ao
ginecologista, faz o [exame] preventivo e detecta uma suspeita de
câncer, esperar pela cirurgia por muito tempo é inaceitável. A
doença pode piorar, a chance de cura diminui. Da mesma forma, por
exemplo, as cirurgias de coluna em crianças. Poucas pessoas fazem
porque não é rentável, então é demorado. E se você esperar por
muito tempo a deformidade pode crescer”, explica o conselheiro do
CFM.
Giamberardino avalia que melhorar o
sistema público é, portanto, fundamental para que o acesso à saúde
tenha mais equidade. “Essas reivindicações visam estabelecer
prioridades a serem incorporadas pelos políticos eleitos. São
propostas para que eles leiam, reflitam e executem. São coisas que
têm um viés social, porque nós [do CFM] defendemos um sistema
público de saúde universal.”
Clique
aqui para acessar a pesquisa completa encomendada pelo CFM ao
Datafolha.
Metodologia da
pesquisa
A pesquisa Datafolha foi realizada
entre 9 e 16 de maio de 2018. Foram entrevistados 2.087 brasileiros
e brasileiras com 16 anos ou mais de todas as classes econômicas e
em todas as regiões do país. A margem de erro do levantamento é de
dois pontos porcentuais para mais ou para menos. O nível de
confiança é de 95%, o que significa que, se a pesquisa for
realizada 100 vezes com a mesma metodologia, em 95 os resultados
vão estar dentro da margem de erro