Há pouco mais de um ano no comando de
uma das secretarias mais criticadas da gestão do governador Pedro
Taques, o secretário de Estado de Saúde, Luiz Soares, garante que
colocou a Pasta em uma situação muito melhor do que a
encontrou.
Com uma sinceridade peculiar, ele
admite que não houve avanço nenhum em sua gestão, uma vez que se
concentrou em colocar a Saúde do Estado "no eixo".
"Eu não vejo avanço nenhum. O
que eu vejo é uma operação de colocar no eixo algo que foi tirado
desse eixo nos últimos 12, 13 anos. Não tem avanço. O esforço nosso
é colocar no eixo. O próprio governador tem dito publicamente uma
coisa: 'girar a chave da Saúde'. A partir do ano passado, foi
girada a chave da Saúde. Tem muita coisa para fazer e o ano passado
não foi um ano muito bom por conta da gravíssima recessão que o
País passou a viver desde 2015. Isso gerou impacto nas receitas dos
Estados, dos Municípios, e não foi diferente no Estado de Mato
Grosso", disse ele, enquanto pitava um cigarro em seu
gabinete.
Luiz Soares destacou que uma das
melhorias de sua gestão foi conseguir regularizar os repasses aos
Municípios e diminuir pela metade a judicialização da Saúde,
cumprindo as decisões liminares em favor dos pacientes.
O que eu vejo é uma operação de colocar
no eixo algo que foi tirado desse eixo nos últimos 12, 13 anos. Não
tem avanço. O esforço nosso é colocar no eixo
"Esse ano todos os
repasses não obrigatórios para com os municípios, de janeiro,
fevereiro, março e abril, estão rigorosamente em dia
[...] Em 2016 existiam seis mil processos
judiciais. Em 2017 reduzimos para três mil. E não vai acabar,
judicialização é algo que veio para ficar. Quando você tem um
sistema minimamente funcionando, você reduz a judicialização",
afirmou.
Leia a íntegra da
entrevista:
MidiaNews – Qual a situação da
Saúde hoje?
Luiz Soares – A
situação está muito melhor do que antes de a gente assumir. Os
problemas de ontem muitos estão resolvidos. Hoje são outros
problemas. Conseguimos arrumar o cenário geral, de equipamentos,
farmácia de alto custo, hospitais paralisados...
MidiaNews – É possível dizer
que a Saúde do Estado saiu da UTI? O que precisa arrumar
ainda?
Luiz Soares -
Nós precisamos avançar. Construir, ir para frente, mas ainda
resolvendo problemas.
MidiaNews - Mas quais
são especificamente os problemas que ainda precisam ser
arrumados?
Luiz Soares – Os
problemas da secretaria são os problemas do SUS [Sistema Único de
Saúde]. Há dois macroproblemas. Um é a descontinuidade de gestões.
Como não é uma política de Estado, mas uma política de Governo,
quando muda o Governo muda-se tudo. Esse é um gravíssimo problema
do SUS. O segundo é o subfinanciamento, onde se agrega a corrupção.
O dinheiro é pouco e muitas vezes é roubado. Quando não é roubado
diretamente, é mal aplicado por ingerências políticas, sem que
tenha o olhar de chegar na ponta, no usuário, no cidadão. Esses são
os dois maiores problemas que tem o SUS.
MidiaNews - Essa
situação de corrupção por meio do subfinanciamento ocorre aqui no
Estado?
Luiz Soares –
Não é um problema do Estado, mas do Brasil em geral. Aqui há
também. Diante do que era a necessidade apontada em abril de 2017,
de dispêndio financeiro do Tesouro do Estado, já reduzimos e muito
sem fechar serviços. Pelo contrário, até ampliamos serviços. Nem
sempre é corrupção, mas desvio de finalidade. Muitas vezes o
dinheiro é mal gasto. E dinheiro mal gasto quando o dinheiro é
pouco, ele não rende o que ele pode render.
MidiaNews - Com qual
orçamento o senhor trabalha esse ano? É suficiente?
Luiz Soares –
Orçamento é papel. Dinheiro é dinheiro. O orçamento da secretaria,
grosso modo, é de R$ 1,5 bilhão, mas não tenho de cabeça o valor
exato. Pagando a folha de pagamento, sobra um pouco mais do que a
metade. Sobra um valor pequeno. Desse valor, o Estado contribui, de
forma não obrigatória, com repasses aos municípios de mais 50% do
que sobra. Então sobram 25% para o custeio.
MidiaNews – A gestão da Saúde
no Estado é muito criticada por demora em cumprir liminares,
atrasos nos repasses, dentre outros problemas. Como o senhor reage
a isso?
Luiz Soares – Eu
acho que crítica em um sistema democrático é perfeitamente normal.
Eu fico sempre atento quando há boas ideias para ajudar a melhorar.
Porque isso não é um esforço do indivíduo, aliás, essa gestão é uma
gestão compartilhada, colegiada. E todos esses resultados em um ano
e pouco tem esforço coletivo. São profissionais que integram uma
equipe que tem conteúdo profissional, técnico, e compromisso com o
serviço e com o cidadão. As críticas eu vejo com bastante
naturalidade.
MidiaNews – Mas quanto aos
atrasos nos repasses às prefeituras?
Luiz Soares –
Esse ano todos os repasses não obrigatórios para com os municípios,
de janeiro, fevereiro, março e abril, estão rigorosamente em
dia.
MidiaNews – Quais são os
maiores gargalos hoje? É falta de médicos, equipamentos,
remédios?
Luiz Soares –
Temos déficit de leitos hospitalares, problemas também na mão de
obra disponível no mercado de trabalho. Mais da metade dos médicos
estão concentrados em Cuiabá. Por óbvio, quem mora mais distante,
no interior, quer que tenha tudo em seu hospital. Mas nunca vai
conseguir. Essa situação nós vamos viver por mais 100 anos enquanto
você trabalhar nessa visão da medicina de especialidades. Muitos
municípios não dão conta de fazer a atenção primária, para promover
a Saúde, controlar os agravos, que são as doenças.
Nós temos uma realidade, e essa
realidade, se você abre para o Brasil, mais de 50% da mão de obra
médica disponível no mercado de trabalho estão em São Paulo, Rio de
Janeiro e Belo Horizonte. Esses três Estados não significam 50% da
população brasileira. É uma concentração. Trazendo para Mato
Grosso, é a mesma realidade em Cuiabá.
MidiaNews – Há uma forma de
descentralizar isso? O que a secretaria está fazendo nesse
sentido?
Luiz Soares – No
grau de especificidades que chegou a Medicina, daqui a 100 anos vai
continuar do mesmo jeito. Você não vai conseguir colocar em cada
município de Mato Grosso pelo menos um médico para cada uma das 60,
70 especialidades médicas. Mas precisamos trabalhar nessa
organização. Isso também demonstra que a ingerência política só
atrapalha.
Um exemplo é que você tem quatro
hospitais em um raio de 300 km, dois eram estaduais e dois
municipais que estadualizaram no passado. Você tem Sorriso, Sinop,
Colíder e Alta Floresta. Mas não tem nada no Vale do Araguaia. Não
tem nada na região do Parecis. Não foi feito um planejamento para
distribuir isso. Você percebe claramente que esses hospitais só
foram estadualizados por pressão dos políticos. Concentrou em uma
região só, enquanto há áreas completamente desassistidas.
MidiaNews - Essa má
distribuição é fruto de más escolhas políticas, de políticos
querendo mostrar serviço na base que vota neles?
Luiz Soares – É
isso. Como a secretaria nesses últimos 12 anos perdeu a capacidade
de formulação mínima de uma política hospitalar, você tem esse
cenário. E é esse cenário que essa equipe valorosa de dirigentes
está tentando organizar, trabalhando duro para poder dar respostas.
E os problemas de ontem já não são os de hoje. Você tinha hospitais
paralisados, hoje você tem hospitais funcionando. Mal e parcamente
fazendo aquilo que ele se propõe a fazer, não dá conta de fazer
tudo, mas muito está sendo feito.
Centenas, milhares de cirurgias
ortopédicas nesses hospitais estaduais, gestações, cirurgias de
urgência e emergência, cirurgias de traumas de pessoas acidentadas,
feridas. Salvando muitas vidas pelo Estado. São ótimos hospitais?
Longe disso. São hospitais que estão sendo recuperados, longe de
levar nota máxima, mas é resultado de um esforço coletivo de um ano
de trabalho.
MidiaNews - Os problemas
da Saúde nessa gestão poderão atrapalhar a possível reeleição do
governador Pedro Taques?
Luiz Soares – Eu
acho que já esteve pior. Não discuto sobre política, só sobre a
política de Saúde.
MidiaNews – Em que situação
está a judicialização da Saúde no Estado?
Luiz Soares – Em
2016 existiam seis mil processos judiciais. Em 2017 reduzimos para
três mil. E não vai acabar, judicialização é algo que veio para
ficar. Quando você tem um sistema minimamente funcionando, você
reduz a judicialização. Quando o sistema está muito ruim, anima a
judicialização. Mas ela veio para ficar, pois é um direito do
cidadão. Cabe ao gestor correr atrás de organizar o sistema para
diminuir essa situação.
Em um volume muito intenso, impacta a
gestão, porque você acaba tendo que cumprir, sem ter a previsão
daquela medida, daquela situação específica, daquele serviço
específico para atender uma pessoa em detrimento de centenas, de
milhares, que são atendidas e poderiam ser atendidas. A
judicialização é uma demanda individual. O princípio constitucional
do SUS é a universalidade e a equidade, ou seja, a igualdade no
tratamento de todos, que têm o direito de ser atendidos da mesma
forma. Quando você individualiza, você quebra esse princípio.
MidiaNews – A judicialização
impacta as contas da secretaria?
Luiz Soares – É
um volume muito alto ainda. Mas nós temos diminuído os bloqueios,
pois estamos dando conta de cumprir as liminares.
MidiaNews - Acontece
muito de se judicializar antes de procurar resolver primeiro no
âmbito da secretaria?
Luiz Soares -
Não há o esgotamento das instâncias administrativas. Mas o
procurador Edmilson [Medeiros], do Ministério Público, tem feito um
trabalho de conciliação. Então o promotor que está em uma comarca
distante solicita o apoio aqui para tentar resolver a situação
administrativamente e, com isso, evitar o custo de um processo
judicial. Eu achei uma excelente iniciativa.
MidiaNews – O que precisa ser
feito para evitar esse problema comum no Estado, que é a demora
para se cumprir as decisões liminares?
Luiz Soares -
Precisa melhorar o sistema mesmo, os serviços para a população, uma
porção de coisas. São providências de gestão mesmo.
MidiaNews – Muitos ex-gestores
da Saúde no Estado, a exemplo do Pedro Henry, chegaram a ser
condenados pela demora em cumprir decisões liminares, apesar de
culparem a burocracia da máquina pública pelos atrasos. Teme que
isso também ocorra com o senhor?
Luiz Soares – Eu
acredito que não, até porque Pedro Henry é Pedro Henry. Eu sou o
Luiz Soares.
MidiaNews – Mas o senhor
chegou a receber uma ordem de prisão no ano passado pelo juiz
Fernando Ishikawa, em razão da demora em cumprir uma
liminar...
Luiz Soares – Eu
acho que a resposta foi dada pelo Tribunal de Justiça, que declarou
a prisão como ilegal. A concessão do habeas corpus fala por si só.
Se fosse uma prisão legítima, por óbvio não haveria a concessão do
habeas corpus por parte do desembargador concedente. Mas cabeça de
juiz...
MidiaNews – O senhor ingressou
com uma reclamação contra o juiz no Conselho Nacional de Justiça,
não?
Luiz Soares –
Sim, mas eu não sei em que pé está.
MidiaNews - O senhor tem
sido muito criticado por não fazer pagamentos aos hospitais
filantrópicos. Como estão esses repasses atualmente?
Luiz Soares – A
secretaria não tinha, continua não tendo e nem terá contrato com
entidades filantrópicas, sobretudo em Cuiabá e em Rondonópolis. O
Estado ainda tem dois contratos diretos, que eu considero absurdos,
feito ainda pelo Pedro Henry, com o Hospital São Luiz, em Cáceres,
que é uma entidade privada hospitalar com título de filantropia.
Não gosto do termo filantrópico. É uma empresa privada hospitalar
com título de filantropia. Para ter esse título tem que atender ao
SUS, disponibilizar no mínimo 60% dos serviços ao SUS. Gozando
desse título, a empresa é isenta, por exemplo, do pagamento de
tributos, o que é altamente vantajoso.
MidiaNews - Qual é a
outra unidade filantrópica que tem contrato com o
Estado?
Luiz Soares – O
Hospital Santo Antônio, em Sinop. Ninguém está fazendo isso de
malandragem. Tem uma lei. Os caras se habilitam como empresas
privadas para ter esse título e, por conta disso, devem oferecer
como condição sine qua non o atendimento ao SUS. Eles atendem as
exigências da lei. A partir desse título, ele goza de benefícios.
Portanto, empresas outras que atuem dentro do hospital não emitem
nota fiscal, a nota vem para o SUS pagar com isenção de
imposto.
O Estado, e não a secretaria, aporta
para o município de Cuiabá valores que o município de Cuiabá pactua
e compra serviços próprios, como o Pronto-Socorro. O Estado põe o
dinheiro, e o município faz os convênios, os contratos com essas
entidades. A única coisa que o Estado garante que o município não
ponha um centavo, que é um terço que o Ministério da Saúde põe
dentro do município e dois terços o Estado põe para pagamento de
leitos de UTI, contratadas pelo município. E aí, nesse caso, têm
quatro hospitais com título de filantropia em Cuiabá que recebem e
um em Rondonópolis.
MidiaNews - Não é
necessário rever essa situação de hospitais filantrópicos que
recebem benefícios do Estado, reclamam da falta de repasses, mas,
ao mesmo tempo, pagam salários altíssimos aos seus
diretores?
Luiz Soares – Eu
acho que quando você tem déficit, tem que trabalhar em duas pontas.
A primeira é cortar despesas e a segunda é buscar ampliar as
receitas. Se você fizer o dever de casa, você encontra o
equilíbrio. Eu não tenho o poder de entrar para dentro desses
hospitais. Eu sei que eles têm possibilidades de ampliar, não só
através do SUS, oferecendo mais serviços, fazendo pactuações,
produzindo, como também vender para planos de saúde, para
particulares, boa parte deles faz arrecadações, recebe doações. São
receitas. Pelo que eu vejo no noticiário, entendo que você não deve
chutar o seu melhor cliente, que é o SUS. O SUS é muito maltratado.
Parece que o SUS é o culpado de tudo.
MidiaNews - Há alguns
dias o diretor do Hospital de Câncer criticou o senhor, dizendo que
o senhor nunca teria ido na unidade e que o hospital não estaria
recebendo o devido reconhecimento do Governo do Estado. O que o
senhor pensa disso?
Luiz Soares –
Não conheço o diretor e não preciso conhecer o hospital. Eu preciso
conhecer os meus 11 hospitais. Eu conheço o Adauto Botelho, eu
conheço o Metropolitano de Cáceres, de Sinop... Eu tenho 11
hospitais para cuidar. Mas uma hora eu vou lá conhecer.