O câncer é uma doença dos genes.
Dessa perspectiva parte a oncologia personalizada ou de precisão,
para proporcionar o que há de mais avançado em diagnóstico,
tratamento e prevenção dos mais diferentes tipos da doença. A
aposta da especialidade é o sequenciamento dos genes presentes no
DNA ou RNA, sobretudo de pessoas com predisposição hereditária ao
câncer, visando tanto ao rastreamento quanto ao combate das células
tumorais.
A grande vantagem do estudo genômico no combate ao câncer é a
substituição dos tratamentos à base de agentes quimioterápicos e
hormonais pela terapia alvo-molecular. Ela permite atacar o
carcinoma de forma individualizada, com medicações escolhidas a
partir da correta identificação das mutações genéticas sofridas
pelas células cancerosas. Ao contrário dos procedimentos
tradicionais, tais drogas agem especificamente nos tumores, com
potencial muito menor de toxicidade e menos efeitos
colaterais.
Na prática, isso se traduz em sessões hospitalares de poucos
minutos, ou uso de pílulas que podem ser tomadas em casa,
proporcionando ao paciente melhor qualidade de
vida.
As chances de cura e de sobrevida também aumentam
sensivelmente. “O mapeamento genético dos tumores não só estabelece
seu prognóstico e orienta o tratamento específico como, muitas
vezes, é também preditivo da resistência a certos tipos de
medicamentos e de possíveis recidivas da neoplasia. Já podemos
contar, por exemplo, com a chamada ‘biópsia líquida’. Por meio
dessa ferramenta, os oncologistas estendem seu alcance ao
monitoramento do tratamento, detectando, com muita precisão,
resposta, remissão molecular e recaída ou resistência tumoral. O
que, sem dúvida, favorece a longevidade do paciente”, explica o
oncologista André Murad, professor da Faculdade de Medicina da UFMG
e diretor da Personal Oncologia.
Entre os estudos que atestam o extraordinário desempenho
curativo da oncologia personalizada está o Profiler. Apresentada em
junho de 2017 em Chicago (EUA), durante o Congresso Americano de
Oncologia (ASCO), a pesquisa francesa analisou 1.944 pacientes. A
conclusão foi de que houve ganho na sobrevida das pessoas tratadas
de maneira individualizada de acordo com o perfil genético dos
tumores em comparação com aquelas que passaram pelos protocolos
convencionais.
Proteção robusta
As técnicas oferecidas pela oncologia personalizada
constituem ainda uma valiosa ferramenta de prevenção, especialmente
num cenário em que as síndromes hereditárias de predisposição ao
câncer são mais prevalentes do que acreditava a medicina há alguns
anos.
Segundo o oncologista mineiro André Murad, supunha-se, até
recentemente, que a hereditariedade seria responsável por apenas
10% a 12% dos casos de carcinoma. Estudos recentes mostram,
contudo, que essa taxa chega a ser quase três vezes superior. É o
caso do levantamento publicado em junho de 2016 no periódico
científico JAMA, que acompanhou 200.000 gêmeos univitelinos e
bivitelinos nórdicos por um período médio de 32 anos. Os resultados
demonstraram que a incidência de câncer hereditário foi de 32%. Os
tumores mais relacionados foram os de próstata, pele (incluindo o
melanoma), ovário, rim, mama, intestino e útero.
“A importância do diagnóstico correto é que as mutações
geradoras das síndromes genéticas de predisposição ao câncer podem
ser avaliadas através do estudo das tendências familiares de cada
pessoa e, principalmente, de modernos exames genéticos realizados
com material retirado da saliva, que detectam mutações em genes
específicos, responsáveis por estes tipos de câncer. Tal
identificação é vital na prevenção e no diagnóstico precoce desses
tumores, o que propiciará medidas preventivas, de rastreamento
periódico (que pode incluir exames clínicos, endoscópicos e
radiológicos) e até mesmo cirúrgicas, como a remoção profilática do
intestino grosso, tireoide, ovários e mamas, nos casos indicados”,
esclarece André Murad.
O sequenciamento genômico preventivo hoje está disponível em
vários laboratórios do país. Alguns exames são cobertos pelos
planos de saúde. Existe, inclusive, um projeto de lei de autoria da
deputada Carmem Zanotto (PPS-SC) que pretende obrigar o Sistema
Único de Saúde (SUS) a cobrir o exame de detecção de mutação
genética dos genes BRCA 1 e BRCA 2 em mulheres com histórico
familiar de diagnóstico de câncer de mama ou de ovário. No Rio de
Janeiro, a tecnologia já é oferecida pelo SUS graças à da sanção da
lei chamada de “Angelina Jolie”, em agosto de 2016.