Algumas empresas não atuam em pelo
menos cinco bairros: Cavalcanti, Manguinhos, Sampaio, Pavuna e
Rocha Miranda
A explosão no número de veículos
roubados este ano no estado — só em agosto houve um aumento de
51,6%, em comparação com o mesmo mês de 2016, segundo o Instituto
de Segurança Pública (ISP) — está levando seguradoras a recusar
clientes ou aumentar consideravelmente o valor do contrato, a ponto
de o proprietário do automóvel desistir de fechar negócio. De
acordo com o diretor-executivo da Federação Nacional de Seguros
Gerais (FenSeg), Julio Cesar Rosa, companhias do setor deixaram de
trabalhar com pelo menos cinco bairros do Rio: Cavalcanti,
Manguinhos, Sampaio, Pavuna e Rocha Miranda. E a negativa para
novos contratos se estende a várias localidades da Região
Metropolitana que ficam próximas a favelas.
O diretor-executivo da FenSeg também
informa que as empresas passaram a considerar um outro dado na hora
de calcular o preço da apólice: além do endereço da residência ou
do trabalho, agora avaliam os caminhos mais percorridos pelo
motorista. Dependendo do trajeto, a conta pode subir 15%. Ou seja,
morar em área nobre não é garantia de contrato fechado. Se, por
exemplo, o interessado vive no Leblon e costuma ir todos os dias de
carro para a região do Méier, o percurso pode encarecer muito o
seguro, por cruzar áreas com grande ocorrência de assaltos.
Os 4.613 veículos roubados em agosto
no estado — 1.572 a mais que no mesmo mês do ano passado — ligaram
o sinal de alerta no mercado de seguros. Julio Cesar afirma que, se
os números permanecerem em alta, o reajuste dos contratos corre o
risco de chegar a 22% até dezembro, o que afetaria de maneira
significativa a atuação das companhias do setor no Rio de
Janeiro.
— Se a estatística de roubo não
cair, pode crescer a negativa (de aceitar o cliente) e haver um
aumento considerável no valor do seguro, algo que não seria bom
para ninguém. Infelizmente, as expectativas não são boas, os roubos
continuam. A verdade é que a área de segurança do estado vem tendo
dificuldade para atacar a bandidagem — critica Julio Cesar.
Um levantamento da FenSeg aponta
que, em 50% dos casos de roubos de veículos no Rio, os crimes são
praticados para retirada de peças e venda no mercado ilegal. Em 30%
das ocorrências, o objetivo é a clonagem de automóveis, e, em 20%,
ladrões tomam um carro para cometer outros delitos.
TRAJETO AUMENTA
CONTA
Coordenador da Escola Nacional de
Seguros e dono de um corretora, José Varanda diz que a pesquisa dos
trajetos mais percorridos pelo cliente para o cálculo da apólice
retrata o clima de insegurança do Rio.
— O aumento contínuo nas
estatísticas de roubos de veículos tem obrigado as companhias a se
tornarem ainda mais criteriosas na hora de avaliar os riscos. Hoje,
as empresas não estão preocupadas apenas em saber o CEP da
residência e do trabalho do cliente, o percurso passou a ter o
mesmo peso desses endereços — afirma Varanda. — Vizinhos com um
mesmo perfil, com um veículo de modelo igual ou semelhante, mas que
transitam por regiões diferentes no dia a dia, hoje pagam valores
distintos na hora de contratar um seguro para o carro. A diferença
pode variar de 10% a 15%.
Segundo o coordenador da Escola
Nacional de Seguros, apólices para veículos que transitam pelo
município de São Gonçalo e pelo Lins, entre outros bairros da Zona
Norte do Rio, já apresentam uma crítica relação custo-benefício.
Motoristas que moram, circulam ou trabalham em Olaria e na Penha
também estariam enfrentando dificuldade para renovar contratos,
devido à proximidade com o Complexo do Alemão. Ainda de acordo com
José Varanda, uma grande companhia deixou recentemente o mercado
fluminense por causa dos altos números de sinistros. Quem continua
trabalhando no estado, afirma o especialista, investe cada vez mais
em sofisticadas formas de cálculo de riscos.
— Há casos de interessados em
apólices de seguro que, para não pagarem mais ou terem propostas
recusadas, fornecem o CEP de um parente ou de uma casa de veraneio.
Para evitar essas fraudes, as companhias vêm pesquisando mesmo os
hábitos dos motoristas, detalhando ao máximo a rotina de cada um.
Uma tendência que se consolida no mercado é o uso de telemetria,
tecnologia que permite o monitoramento de distâncias percorridas e
fornece informações para o operador.
Dos 4.613 roubos de veículos
ocorridos em agosto no Rio, 1.869 — 40.51% — ocorreram em áreas de
dez das 138 delegacias de todo o Rio. A Baixada Fluminense é
considerada a região de maior risco, com 19,64% dos casos (906). No
topo da lista das unidades policiais que mais fizeram registros
está a 64ª DP (São João de Meriti), com 312 boletins. A 59ª DP
(Caxias) aparece na segunda colocação, com 257, seguida da 54ª DP
(Belford Roxo), com 201.
Uma delegacia da cidade do Rio, a
34ª DP (Bangu), ocupa a quarta posição, com 185 registros. A 74ª DP
(Alcântara) totalizou 176; a 40ª DP (Honório Gurgel), 161; e a 39ª
DP (Pavuna), 155. Além de Alcântara, duas delegacias de São Gonçalo
estão no ranking: a 72ª DP (Centro), com 148 ocorrências, e a 73ª
DP (Neves), com 138. A 58ª DP (Posse) também chama a atenção, com
133 roubos de veículos.
Considerando todos os estados
brasileiros, as seguradoras que atuam no Rio de Janeiro são as que
mais pagam indenizações, de acordo com dados da FenSeg. O primeiro
lugar no ranking do país se deve, de acordo com a federação, às
estatísticas de roubos de carros. Na segunda posição está o Rio
Grande do Sul.
De janeiro a agosto deste ano,
segundo a FenSeg, as empresas desembolsaram no Rio 77% do total
gasto com indenizações: R$ 1,4 bilhão. Para equilibrar a conta,
seguradoras estão repassando a conta aos clientes. Proprietária de
um Renault Sandero, a publicitária Karine Eckhardt, moradora de
Niterói, sentiu esse impacto quando foi renovar a apólice de seu
carro, em abril. O valor subiu R$ 300 em comparação com o preço
cobrado em 2016.
— Eu pensei que fosse diminuir, já
que o carro desvalorizou, sem contar que não acionei a seguradora
em nenhum momento ao longo de um ano — contou Karine, que, ao
decidir trocar o carro por um mais novo, acabou tomando um susto —
o preço da apólice aumentou mil reais. E, na hora de assinar, subiu
mais R$ 100, porque tive de incluir o percurso que faço de casa
para o trabalho.
DE OLHO EM PEÇAS DE CARROS
ANTIGOS
Julio Cesar Rosa, diretor-executivo
da FenSeg, não informa quais são os modelos mais visados por
ladrões de veículos, porém conta que seguradoras vêm percebendo um
aumento de roubos de carros cujas montadoras deixaram de fabricar
peças.
— Os criminosos conseguem vender
esses veículos roubados por um valor razoável, uma vez que suas
peças não são mais encontradas no mercado — afirma Julio Cesar,
acrescentando que ladrões também preferem carros de cores
escuras.
Lenin Pires, especialista em
segurança pública e professor da Universidade Federal Fluminense
(UFF), diz que, diante das estatísticas de roubos de carros, era
esperado um aumento no valor das apólices de seguro, mas faz uma
crítica ao mercado:
— O discurso de esgotamento das
políticas de segurança, somado ao esvaziamento do poder político no
estado, conduz a um quadro de incertezas. E onde há incerteza, há
oportunidade para o capital especulativo, em suas mais variadas
formas. Os preços das apólices resultam de análises de risco, cuja
equação vai ser desenvolvida de maneira especulativa, construída em
cima de conjecturas que não necessariamente levam em consideração
as dinâmicas reais de diferentes localidades da cidade. A noção de
risco dialoga com a violência real ou presumida? Eu diria que é
muito mais relacionada à segunda opção. A sensação de insegurança
acaba tendo maior influência no processo.
Colaborou Elenilce Bottari