Trabalho produzido pelo Instituto de
Estudos de Saúde Suplementar (Iess) estima que cerca de R$ 22,5
bilhões dos gastos das operadoras de planos de saúde do País com
contas hospitalares e exames, em 2015, foram gerados indevidamente,
decorrendo de fraudes e desperdícios com procedimentos
desnecessários. Isso representa 19% do total das despesas
assistenciais realizadas pelas operadoras de planos de saúde. A
projeção é baseada em estudos técnicos a partir da revisão
bibliográfica de trabalhos internacionais e brasileiros sobre o
tema, em um esforço do Iess para dimensionar o impacto das fraudes
no sistema de saúde suplementar do Brasil e apontar experiências
bem-sucedidas no combate às práticas inadequadas nesse setor.
“As despesas assistenciais das
operadoras médico-hospitalares somaram R$ 117,24 bilhões, em 2015.
Portanto, os gastos de R$ 22,5 bilhões com fraudes e desperdícios
significam quase 19% desses gastos e foram consumidos por fraudes e
desperdícios, algo que compromete fortemente as finanças das
operadoras e onera quem contrata um plano de saúde”, analisa Luiz
Augusto Carneiro, superintendente-executivo do Iess.
No estudo “Evidências de práticas
fraudulentas em sistemas de saúde internacionais e no Brasil”, o
Iess identificou que de 12% a 18% das contas hospitalares
apresentam itens indevidos e de 25% a 40% dos exames laboratoriais
não são necessários. Observa, ainda, com base em relatório da
Controladoria Geral da União (CGU), que o problema também é de
grandes proporções no sistema público de saúde: entre 2002 e 2015,
foram detectadas irregularidades de desvio de dinheiro em
aproximadamente R$ 5,04 bilhões, o que equivaleu a 27,3% do total
de irregularidades em todas as áreas do governo.
Embora ressalve que a corrupção e a
fraude são difíceis de serem detectadas na área da saúde – uma vez
que a cadeia produtiva desse setor contempla diversos segmentos e
particularidades em cada um deles, inclusive com distinção entre os
sistemas públicos e privados -, o estudo aponta que, na saúde
privada, as principais formas de abuso se concentram em tratamentos
excessivos e desnecessários ou baixa qualidade no atendimento;
comercialização inadequada de medicamentos e de dispositivos
médicos e sonegação de tributos.
Tais práticas inadequadas se originam
e são mantidas principalmente, diz o documento, pela ausência de
mecanismos de transparência, por exemplo, para explicitar as
relações entre os agentes do setor de saúde (por exemplo, se um
profissional da área recebeu um benefício ou uma comissão de um
fornecedor de materiais e medicamentos). Legislações da Alemanha e
dos EUA indicam que todos os pagamentos e benefícios entre agentes
do setor de saúde devem ser tornados públicos. A União Europeia e
os EUA também instituíram marcos regulatórios com punições severas
para atos de corrupção, indica o estudo. No Brasil, falta
transparência nos sistemas de precificação de insumos e serviços de
saúde e também no modelo de pagamento por serviços prestados na
saúde, o que inviabiliza a comparação e o controle de custos nas
distintas etapas que envolvem o atendimento ao paciente e abrem
espaço para práticas inadequadas, como atos de corrupção.
Isso acontece principalmente por causa
do modelo recorrentemente usado para pagamentos de serviços de
saúde, a chamada “conta aberta” (ou fee-for-service). Nesse caso, a
conta de serviços absorve todos custos, insumos, procedimentos e
usos dos equipamentos, mesmo quando há falhas e desperdícios e, até
mesmo, corrupção. Um dos requisitos para combater tais práticas
nocivas ao setor seria modernizar os sistemas de pagamento, por
meio da premiação à eficiência e o melhor desfecho clínico ao
paciente, e punindo o desperdício e a contratação de exames
desnecessários, assim como reinternações ou agravamento dos quadros
clínicos causados por falhas assistenciais.
“O modelo brasileiro de remuneração de
serviços de saúde está mais de 30 anos atrasado em relação aos
outros países. É fundamental que avancemos em um padrão de
transparência de informações, permitindo comparações baseadas em
indicadores de qualidade e segurança assistencial dos pacientes, e
também sobre as relações entre os envolvidos no setor,
identificando os conflitos de interesse e práticas abusivas. Só
assim será possível ter um sistema mais eficiente e que onere menos
as operadoras e quem contrata um plano de saúde”, avalia Luiz
Augusto Carneiro.