O ministro da Saúde, Ricardo
Barros, vai propor uma nova forma para o ressarcimento dos planos
de saúde ao Sistema Único de Saúde (SUS) pelo uso da rede pública
por seus segurados. Em entrevista exclusiva ao GLOBO, Barros disse
que a intenção é estabelecer um modelo de contrato diretamente
entre hospitais e operadoras, que deverão ressarcir a rede pública
imediatamente, de acordo com valores previamente acordados. O
ministro quer evitar questionamentos das cobranças pelas empresas e
alimentar rapidamente o caixa do SUS.
— Há um valor crescente de
ressarcimentos. Hoje são cerca de R$ 400 milhões por ano de
repasse. Espero estabelecer um modelo de contratação direta dos
hospitais públicos com os planos. Com o contrato, os valores por
procedimentos ficam estabelecidos e é só faturar. Assim, quando
alguém for atendido na rede pública fatura-se imediatamente a
operadora. — explica. — Queremos transformar o ressarcimento, que
hoje é complexo, numa coisa simples e rápida.
O ressarcimento é cobrado sempre
que beneficiários de planos de saúde são atendidos na rede pública
para realizar procedimentos que estão previstos em seus contratos.
Hoje, a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) identifica o
paciente e cruza as informações com o banco de dados de usuários da
saúde suplementar. Os recursos vão para o Fundo Nacional de Saúde
(FNS), gestor financeiro do SUS.
EMPRESAS SÃO CONTRA A PROPOSTA
Em 2015, ao todo, foram 439 mil
procedimentos médicos realizados na rede do SUS por pacientes que
têm planos de saúde, segundo a ANS. O total cobrado chegou a R$
708,9 milhões. O repasse ao Fundo, no entanto, foi de R$ 399
milhões. De acordo com a agência, desde 2000, foram arrecadados R$
1,2 bilhão, o que corresponde a 46% do valor total dos atendimentos
passíveis de ressarcimento. E R$ 623 milhões incluídos na dívida
ativa federal.
— Hoje, os planos discutem se o
procedimento que foi dado ao cliente deles no hospital público foi
correto ou não. E se perde a capacidade de rapidamente repor esses
recursos no caixa do SUS. Isso porque muita coisa fica sub judice.
Por isso, pedi o estudo dessa proposta — destaca Barros.
Há ações das empresas até no
Supremo Tribunal Federal (STF) pela inconstitucionalidade da
cobrança feita pelo SUS. Nas contas da ANS, há cerca de R$ 500
milhões que deveriam ter sido repassados ao SUS depositado em
juízo. Segundo a Associação Brasileira de Planos de Saúde (Abramge)
e de entidades de defesa do consumidor, esse valor está na casa do
bilhão de reais.
Pedro Ramos, diretor da Abramge,
diz que as operadoras estariam dispostas a firmar um acordo para
pagar os valores sub judice, se houvesse uma discussão ampla sobre
o ressarcimento, que recentemente passou a incluir atendimentos
ambulatoriais feitos pelo SUS a seus usuários. A proposta do
ministro, porém, não lhe parece boa solução.
— Para a implementação dessa
proposta será preciso mexer na lei e acho que não devemos complicar
ainda mais o assunto. O fundamental é que os hospitais avisem ao
plano quando o usuário der entrada, para escolhermos se queremos
removê-lo ou não. Hoje meu beneficiário fica 15 dias na UTI e só
fico sabendo quando chega a conta — diz Ramos, que se queixa ainda
de a tabela paga pelas empresas ao SUS ser acrescida de uma taxa
sobre o procedimento.
Na avaliação da doutora em Saúde
Pública, a médica Ligia Bahia, do Laboratório de Economia da Saúde
da UFRJ, a proposta de mudança de ressarcimento, sugerida por
Barros, acentua as desigualdades no sistema de saúde:
— O ressarcimento prevê que os
recursos sejam direcionados para o FNS e distribuídos de acordo com
prioridades sanitárias. Com a proposta do ministro, os recursos
acabariam concentrados nos hospitais em regiões e cidades de maior
renda, já que os segmentos populacionais com piores situações de
saúde estão em áreas denominadas vazios sanitários.
A especialista, que também é membro
da diretoria da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco),
preocupa-se ainda com a parte burocrática da mudança:
— A operacionalização da cobrança
em hospitais públicos implicaria em maior estrutura burocrática e
um conjunto de situações, como auditorias de empresas privadas em
órgãos estatais e possíveis desvios de recursos, o que desviaria as
atribuições assistenciais, por exemplo.
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Com o objetivo de desafogar as
emergências dos hospitais públicos foi sancionada na última
terça-feira pelo governador em exercício do Rio, Francisco
Dornelles, a Lei 7.042, prevendo que vítimas de acidentes, com
plano de saúde, ao serem socorridas por Bombeiros poderão ser
levadas a hospitais particulares. A prática era encaminhar para a
rede pública.
— Pelo sistema de regulação, sempre
que há um acidente o Samu e os Bombeiros levam as vítimas para um
hospital público e os planos têm que ressarcir os gastos. Essa
decisão do Rio é uma tentativa de descongestionar urgências e
emergências da rede pública — limitou-se a comentar o ministro.
A Abrasco, por sua vez, já se
manifestou contrária a nova lei, ressaltando que a decisão sobre o
local de atendimento de emergência deve ser técnica e não baseada
no equilíbrio fiscal do estado.
O fato é que o próprio ministro
defende a necessidade de fortalecer a saúde suplementar para
melhorar o SUS. Para tanto, Barros voltou a defender a criação de
planos populares, com preços mais baixos e menor cobertura. Disse
que pediu à ANS revisão das regras da saúde suplementar para
autorizá-los. E fez apelo às operadoras.
— Estamos propondo que o mercado
ofereça planos mais acessíveis, com custo menor e cobertura menor,
para que possamos por mais recursos no atendimento das pessoas —
diz Barros.
Para Ligia, no entanto, a proposta
de criação de planos populares não tem fundamento técnico:
— Essa iniciativa foi experimentada
e fracassou na Colômbia. O plano barato pressupõe problema de saúde
ordinário e não é assim que os seres biológicos se comportam ao
longo da vida.
ESTIMULAR PLANOS INDIVIDUAIS É UM
OBJETIVO
Ramos, da Abramge, por sua vez, vê
os planos populares como uma ótima alternativa:
— O plano popular poderia focar no
atendimento básico à saúde que o SUS não consegue atender. Vamos
comparar os planos a uma grande lanchonete. Elas vendem combos, mas
o cliente pode escolher comprar o sanduíche em separado. Poderia
haver uma modalidade em que se pudesse optar por pagar um hospital,
como o São José, para tratar um câncer e não para a emergência.
Elici Bueno, coordenadora executiva
do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), teme que
haja mais prejuízo que benefícios:
— Nós entendemos que este tipo de
“plano popular", vago e impropriamente aventado, criaria mais
problema para o consumidor. Sobretudo em um cenário de crise
econômica, onde a população mais vulnerável seria afetada.
Ciente do impacto da crise
econômica no número de usuários da saúde suplementar — segundo a
ANS, houve redução de cem mil pessoas, apenas no mês de junho — o
ministro afirma que é preciso estimular planos individuais:
— As pessoas saíram dos empregos e
perderam os planos. Precisamos encontrar uma maneira de incentivar
a oferta de planos de adesão individuais. Isso está em discussão na
ANS.
Ligia ressalta que não só
desempregados, mas principalmente, idosos são penalizados pela
ausência de planos individuais no mercado:
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— O idoso brasileiro paga muito
mais que o americano ou europeu (incluindo o valor desembolsado
pelo governo para a saúde) por planos com coberturas muito
inferiores. E não há o que fazer, pois não conseguem migrar de
plano, já que as empresas não ofertam mais individuais.
O diretor da Abramge afirma, porém,
que não haverá oferta enquanto houver “tamanha ingerência” sobre a
modalidade e sem que haja transparência no cálculo dos índices de
reajuste.