A nova presidente da FenaSaúde,
Solange Beatriz Palheiro Mendes(SulAmérica Saúde), tem uma agenda
de trabalho extensa à frente da entidade para a qual está de volta
após participar de sua construção, há 12 anos, e ser sua diretora
executiva por algum tempo. Além de dar continuidade às principais
ações desenvolvidas por seu antecessor, Marcio Coriolano (agora
presidente da CNseg), como a preocupação recorrente com a
sustentabilidade do setor e sua segurança regulatória, Solange
Beatriz planeja novos esforços para azeitar a comunicação com o
consumidor. Mira não só sua satisfação, mas também quer torná-lo
mais consciente sobre o uso adequado dos serviços oferecidos pelo
seu plano de saúde.
Para ela, os constantes ataques às
bases técnicas da Saúde Suplementar, algo que se dá quando, por
exemplo, liminares são concedidas indevidamente para procedimentos
que não constam das coberturas contratadas não inviabilizam o
mercado, mas devem ser contidas, porque, dada a natureza de
mutualidade do sistema, o ônus disso recai sobre os demais
participantes. “Por ser um setor de alta relevância social, a Saúde
Suplementar muitas vezes é confundida com princípios que norteiam o
serviço público, como a universalidade e a integralidade, por
exemplo. Ainda há muita ideologia no setor, nem sempre com
propostas concretas para garantir a sustentabilidade”, afirma
ela.
O ano de 2016 é de grande
complexidade no plano macroeconômico, refletindo-se na atividade.
“As empresas devem estar preparadas para os ajustes na abrangência
dos planos, entre outras formas de alinhar o desejo da população à
sua capacidade de pagamento. Parece um quadro factível. Certamente,
a eficiência operacional será fator determinante para o resultado
final do setor. É natural que, em um setor diversificado, algumas
operadoras serão mais afetadas que outras em suas receitas e
despesas”, reconhece ela.
O diálogo com todos os atores
sociais é outro ponto importante de sua gestão, novos produtos,
franquias e coparticipação são também alguns dos temas que a nova
presidente planeja incluir na agenda de trabalho.
Leia a íntegra da entrevista de
Solange Beatriz Palheiro Mendes a seguir:
1- Quais serão as
prioridades de sua gestão à frente da FenaSaúde?
Dar continuidade ao trabalho
desenvolvido por Marcio Coriolano, que ocupou a presidência da
entidade nos últimos seis anos e agora assume a presidência da
CNseg. Projetos como o Fórum da Saúde Suplementar, que teve a
primeira edição em novembro de 2015, e temas como a
sustentabilidade do setor e a segurança regulatória continuarão na
pauta da entidade. Adicionalmente, a Federação envidará esforço
para o aperfeiçoamento das relações de consumo como forma de
desenvolvimento do mercado. A comunicação clara para satisfação do
consumidor cidadão e a demonstração da relevância dos serviços
prestados pelas operadoras de planos privados de assistência à
saúde serão temas a serem intensificados, assim como os esforços de
conscientização sobre o bom uso dos recursos disponíveis para a
saúde, garantindo que os consumidores saibam como adquirir e
utilizar o plano adequado para suas necessidades. A FenaSaúde vem
realizando ações nesse sentido e ampliaremos os canais de diálogo
com o Governo, entidades de proteção dos consumidores e
sociedade.
2- A senhora concorda que o
atual modelo de Saúde Suplementar brasileiro é inviável e reclama
mudanças significativas- algumas até dolorosas? Qual é o modelo de
Saúde Suplementar viável?
Não é inviável, mas recorrentemente
tem suas bases técnicas atacadas. Por ser um setor de alta
relevância social, a Saúde Suplementar muitas vezes é confundida
com princípios que norteiam o serviço público, como a
universalidade e a integralidade, por exemplo. Ainda há muita
ideologia no setor, nem sempre com propostas concretas para
garantir a sustentabilidade. Só que se trata de um setor privado,
financiado com capitais privados, voluntariamente. A continuidade
da prestação dos serviços de assistência à saúde depende, como
qualquer outro setor da economia, de investimentos. A regulação é
importante para alinhar as expectativas dos consumidores e das
operadoras. Vamos debater as bases de sustentação econômica e
social do setor de Saúde Suplementar.
3- Sem uma revisão de
paradigmas, este mercado está em crescente risco?
Paradigmas e posições dogmáticas
devem ser confrontadas com a realidade, sempre. E a realidade é que
a população deseja ter um plano de saúde privado, como mostram
diversas pesquisas. A realidade é que o aumento dos custos do setor
se reflete nos preços dos planos e nos reajustes. Em um momento de
queda de renda generalizada, é preciso atacar as causas que elevam
custos de forma desproporcional. As operadoras devem fazer sua
parte, aumentando a eficiência na prestação dos serviços. Mas é
dever do Estado minimizar falhas no mercado de insumos que
adicionam custos em cascata ao setor. Esta é uma proposta objetiva
e pragmática que deve estar acima de eventuais visões ideológicas e
dogmas. Nossa missão é trabalhar para que isso aconteça, a favor
dos consumidores de planos.
4- As receitas das
operadoras continuam a subir abaixo das despesas, agravando a
situação financeira do setor. Nos últimos 12 meses encerrados em
setembro, as receitas subiram 12,8%, ao passo que as despesas,
14,9%, segundo a FenaSaúde. Os dois indicadores, contudo,
refletindo o aprofundamento da crise econômica, estão em
desaceleração. A última vez que as receitas superaram as despesas
foram no acumulado dos últimos 12 meses fechados em setembro de
2014 (17,8% versus 17%). De lá para cá, há um crescente
descolamento entre os dois indicadores, provocando preocupação no
mercado, cada vez mais dependente do resultado financeiro, tendo em
vista que o índice de sinistralidade mais recente alcançou 82,7%.
As despesas assistenciais totalizaram R$ 118,3 bilhões nos 12 meses
terminados em setembro de 2015. Considerando apenas as operadoras
do segmento médico-hospitalar (medicina de grupo, cooperativa
médica, seguradora especializada em saúde, filantropia e
autogestão), a sinistralidade foi de 84,4%. Tendo em vista este
quadro, qual sua projeção de desempenho do mercado para 2016, já
que os principais fatores que afetam o mercado vão continuar a
exercer pressão, como o desemprego, dólar elevado, empresas e
pessoas físicas endividadas, etc.?.
O setor de Saúde Suplementar vem
desacelerando, é verdade. Ainda assim, a demanda por planos é
relativamente inelástica no sentido de que sofre menos com a
desaceleração econômica e com a queda de renda que outros setores
da economia. O setor oferece um produto altamente valorizado no
mercado de trabalho, tanto por empregadores quanto, principalmente,
pelos colaboradores. Nossas projeções mostram que a retração da
atividade econômica deve afetar mais intensamente o setor este ano.
Nossas projeções mais recentes apontam um crescimento da receita de
12,8% e das despesas assistenciais em 14,9% para 2016.
5- Fala-se que a diminuição
do mercado é mais uma consequência das demissões ocorridas em
setores importantes da economia- ou seja, as dispensas nas áreas de
óleo e gás; de construção civil; de serviços de governo. Em
contrapartida, as pequenas e médias ainda mostram-se resistente à
crise. Apenas as PME podem dar conta de mitigar as perdas ocorridas
nos setores de petróleo, construção civil e de
governo?
O setor vai se adaptar às condições
de mercado. O setor de serviços, em especial o de comércio, que
contribuiu para a expansão da base de beneficiários nos últimos
anos não tem o mesmo dinamismo de tempos atrás. O momento atual
requer atenção especial com o oferecimento de serviços de qualidade
para retenção dos consumidores. Em breve, espera-se, com a
recuperação da economia, o setor de Saúde Suplementar estará ainda
mais preparado para ampliar a base de consumidores.
6- A contração econômica
deve continuar até 2017, segundo o FMI. O Brasil, que no ano
passado, fechou 1,5 milhão de empregos formais, poderá ter mais um
milhão de empregos extintos nesse ano. Nesse cenário, a senhora
imagina que aumente também o número de operadoras liquidadas,
acelerando aquele processo de consolidação do
mercado?.
Temos observado a intensificação
dessas intervenções no mercado com preocupação. A solidez do
sistema é um ativo para todos, pois denota comprometimento do setor
com a população e faz parte do imaginário popular. Não é bom para o
setor quando as pessoas começam a se perguntar se sua operadora vai
quebrar.
7- O Brasil "barato", tendo
em vista a desvalorização do real, pode atrair muitos investidores
na área de Saúde Suplementar? Mas o ambiente regulatório e a
cultura de negócios no País não podem minar o interesse do
investidor estrangeiro?
A saúde, assim como outros setores,
precisa de estabilidade e previsibilidade nas regras. Quanto
maiores os riscos jurídicos e regulatórios, maiores as incerteza.
Tal como os outros setores, a Saúde Suplementar precisa de um bom
ambiente institucional que dê segurança aos investidores, nacionais
ou estrangeiros.
8- A crise econômica
prolongada começa a jogar luzes nos custos operacionais e a chamar
a atenção da alta administração das empresas. Na hipótese da
inflação médica continuar nessa toada, as empresas vão partir para
soluções intermediárias, como a compra de planos mais baratos para
os funcionários, aumento da contribuição (passivo atuarial), a
diminuição da abrangência, de nacional para local; de apartamento
para enfermaria, por exemplo. Isso significa também menor receita
para as operadoras. Este quadro é factível?
As empresas devem estar preparadas
para os ajustes na abrangência dos planos, dentre outras formas de
alinhar o desejo da população à sua capacidade de pagamento. Parece
um quadro factível. Certamente, a eficiência operacional será fator
determinante para o resultado final do setor. É natural que, em um
setor diversificado, algumas operadoras serão mais afetadas que
outras em suas receitas e despesas.
9- A senhora concorda que
não dá para ter incorporação de procedimentos médicos e
tecnológicos no atual ritmo- de dois em dois. Qual a saída mais
razoável nessa questão do Rol da ANS?
A questão do rol é de fundamental
importância. Seu processo de revisão bianual deve ser o mais
técnico possível, respeitando-se o custo-efetividade de cada nova
incorporação e, sobretudo, a capacidade de pagamento da população.
A cada revisão criam-se tantas expectativas de incorporação que a
observância a esses princípios básicos tem sempre que ser
reiterada. O setor de Saúde Suplementar precisa ter previsibilidade
e transparência no processo de incorporação. Se uma nova técnica
adiciona mais benefícios do que custos, ela é candidata a ser
incorporada. Mas resta a pergunta final: a população está disposta
a pagar?
10- No campo da regulação,
como a ANS pode contribuir para atenuar os problemas na Saúde
Suplementar?
Há certo consenso de que a
regulação deve se ater a minimizar problemas conhecidos como falhas
de mercado. No setor de Saúde Suplementar, a assimetria de
informações é muito intensa e, neste caso, cabe uma regulação que
corrija essas situações. Ir além disso pode causar mais danos do
que benefícios socialmente falando. Criam-se espaços para as
chamadas falhas de governo, gerando ainda mais distorções no setor.
Não é qualquer situação de potencial falha de mercado que deve ser
regulada. Senão o peso da regulação fica desproporcional e inibe as
soluções privadas. Defendemos que a regulação seja criteriosa e,
sempre que possível, venha acompanhada de estudos técnicos que a
justifique, a conhecida Análise de Impacto Regulatório. Esta é uma
recomendação internacional, inclusive. O Brasil tem tradição em
regulamentar excessivamente, criando burocracias desnecessárias
muitas vezes. É tempo de se repensar esse modelo em que ao Estado
cabe regular tudo, e ao setor privado, apenas cumprir. Esse modelo
tem se mostrado falho em diversos setores, inclusive na Saúde
Suplementar. Basta ver o que aconteceu com o segmento dos planos
individuais.
11- A judicialização de
questões relacionadas à saúde é outro fantasma com o qual convive o
mercado de Saúde Suplementar. Como fazer os tribunais respeitarem
os contratos- na maioria das ações os pleitos de beneficiários para
que os planos de saúde cubram condições não previstas nas listas de
procedimentos são acolhidos? E, em muitos casos, trata-se de
procedimentos caros, para os quais há tratamentos alternativos com
grau de efetividade semelhante.
O consumidor sempre terá o direito
de questionar judicialmente. A questão que preocupa é a indústria
de liminares que incentiva cada vez mais comportamentos dessa
natureza nem sempre buscando algo que esteja no contrato ou nas
coberturas obrigatórias. Falta compreensão da natureza de
mutualidade do sistema. Se alguns conseguem algo que não
contribuíram, esse ônus é repassado a todos os demais. Essa é uma
discussão intensa no setor que vai ganhando cada vez mais escala. É
preciso que se reconheça que o setor privado não pode ter a
integralidade que o setor público se propõe. Se até o SUS tem
limites para a incorporação, a exemplo das avaliações do
Conitec(*), por que o setor privado deve cobrir tudo, inclusive o
que não está no rol tampouco nos contratos?
12- A franquia é mesmo uma
medida educativa para que o consumidor se torne um fiscal dos
gastos de seu plano de saúde? Há outros mecanismos que deveriam ser
adotados...
Esses mecanismos de
compartilhamento de riscos, como coparticipação e franquia, podem
ser muito interessantes na medida em que informam aos consumidores
que os recursos são escassos e os custos elevados. Portanto, devem
ser utilizados de forma criteriosa. Essa discussão deve retornar à
agenda, pois ainda há muita desinformação quanto ao potencial
desses produtos. Primeiramente, são opcionais, o que já faz toda a
diferença. Segundo, porque atende ao desejo dos consumidores de
terem uma mensalidade mais barata. Estudos comprovam isso. Mas é
preciso avançar e propor soluções nesse sentido, estimulando novos
produtos como planos com franquia, o VGBL Saúde, etc.
13- O modelo de remuneração
dos prestadores de saúde deve ser também alterado. Como funciona
hoje e qual seria o modelo ideal?
Não existe modelo ideal de
remuneração de prestadores, como indicam várias pesquisas técnicas.
Mas existem modelos melhores aos que temos hoje. O pagamento por
serviços é uma grande fonte de ineficiência no setor, pois estimula
o uso excessivo de procedimentos, muitas vezes sem necessidade.
Gera volume de produção sem contrapartida da qualidade da
assistência. Um dos desdobramentos do I Fórum de Saúde Suplementar,
ocorrido no ano passado, foi exatamente nessa linha, de estudar
novos modelos que podem ajudar a tornar o setor mais eficiente e
mais alinhado com o valor agregado aos consumidores. A FenaSaúde
vai continuar trabalhando nessa linha.
14- As medidas estruturais
em Saúde Suplementar dependem também de se convencer a sociedade do
momento complexo das operadoras, passando por revisão de paradigmas
e de algumas práticas. Como atrair o consumidor para esta conversa
franca e necessária para a sobrevivência do setor?
Não há outro caminho senão o
diálogo. Vamos propor ações nesse sentido. É preciso que o
consumidor tenha consciência dos preços dos insumos. Como em muitos
contratos de planos de saúde o consumidor não paga diretamente,
tende a dar pouca importância a pesquisar o que está comprando. Na
saúde não é diferente. É preciso que ele, primeiramente, saiba
quanto está pagando por cada item de serviço de saúde, até para ter
a dimensão real dos benefícios do seu plano. A Federação vai
perseguir essa maior transparência dos preços e dos custos,
aliando, sempre que possível, informações de qualidade para que o
consumidor possa realmente ter condições de escolher adequadamente
os produtos e serviços de saúde, pesquisando e se informando
sobretudo.
15- Algumas das práticas
internacionais podem ser adotadas no mercado brasileiro para
saneá-lo. Quais seriam as mais importantes?
No mundo todo, os sistemas de saúde
enfrentam a escalada de custos. Alguns são mais ousados. O sistema
americano, por exemplo, ousou na questão do modelo de remuneração.
O sistema alemão cobra participação das pessoas na utilização do
sistema público. O Brasil ainda tem muito o que avançar. Mas
primeiro é preciso compreender que precisamos fazer ajustes para
que o setor tenha perenidade. Esse é o desafio que vamos
enfrentar.