Se, em um passado recente, o déficit
de pediatras era uma realidade preocupante para as redes pública e
privada de saúde - incluindo em Bauru -, o crescente interesse de
médicos recém-graduados pela residência nesta especialidade dá
indícios de que esta dificuldade pode estar prestes a ser superada.
É o que revelam os dados da "Demografia Médica no Brasil 2018",
estudo elaborado pela Universidade de São Paulo (USP) em parceria
com o Conselho Federal de Medicina (CFM) e Conselho Regional de
Medicina do Estado de São Paulo (Cremesp).
Conforme o levantamento, a pediatria
figura como a segunda especialidade com maior número de vagas
ocupadas em residência médica no País. No ano passado, foram
contabilizados 3.448 estudantes nesta área, totalizando 9,8% do
total de vagas ocupadas.
A pediatria fica atrás apenas de
clínica médica, que abrange 12,7% das vagas. E vale ressaltar que
esta última acaba sendo bastante procurada por ser pré-requisito
para residência em outras 12 especialidades, como cardiologia,
reumatologia e endocrinologia.
Algumas mudanças ao longo do tempo
ajudam a explicar o fenômeno e uma das principais é a remuneração.
Com o mercado desabastecido de pediatras, condição que ainda
persiste, estes profissionais se tornaram um dos mais bem pagos
pelo setor público e privado em plantões ou jornadas de
trabalho.
"No consultório, o pediatra continua
com remuneração ruim, porque não conta com quase nada de
procedimentos específicos e depende, basicamente, de consultas, que
não são bem pagas pelos planos de saúde. Por isso, muitos quase nem
fazem mais atendimento em consultório particular", cita o
conselheiro do Cremesp, Carlos Alberto Monte Gobbo.
Enquanto ele aponta para o
fortalecimento de uma nova filosofia, em que as especialidades
básicas, como a pediatria, passarão a ser mais valorizadas - e
requisitadas antes das outras - pela população, o presidente da
Associação Paulista de Medicina (APM), Marcos Cabello observa um
movimento diverso.
FEMINIZAÇÃO
Segundo ele, os médicos
recém-graduados voltaram a ingressar na residência em pediatria com
planos de, no futuro, cursar subespecialidades, como neonatologia e
pneumologia pediátrica, entre outros. "Com uma qualificação melhor
dentro da especialidade, a demanda do mercado fica maior ainda, o
que reflete em uma melhor remuneração," pondera.
Vice-presidente da comissão de
implantação do curso de medicina da Universidade de São Paulo (USP)
em Bauru, Gerson Alves Pereira Júnior analisa que esta tendência
foi fortalecida pela crise na carreira de pediatra gerada pelo
favorecimento, por meio de políticas públicas, da medicina de
família e comunidade nas últimas décadas, no Brasil.
"O médico de família acaba fazendo as
vezes do pediatra, do ginecologista e do clínico geral. E o mercado
desfavorável em pediatria aumentou o desinteresse pela residência
na área. Mas, no fim deste processo, devido à oferta cada vez menor
de pediatras, este profissional voltou a ser valorizado",
pontua.
Como fator que gerou acréscimo na
procura pela especialidade, ele cita, ainda, o processo gradual de
feminização da medicina de um modo geral. Se, em 1970, as mulheres
representavam cerca de 15% dos médicos no Brasil, hoje elas já são
45% do total, segundo a "Demografia Médica no Brasil 2018".
Entre os profissionais com menos de 30
anos, elas já são, inclusive, maioria. "E a pediatria, normalmente,
é uma área mais procurada pelas mulheres. Com o número de médicas
em ascensão, é natural que o volume de pediatras também cresça",
considera.
DÉFICIT NA REGIÃO
Apesar das recentes transformações, a
região de Bauru ainda enfrenta dificuldades com a escassez de
pediatras. De acordo com Marcos Cabello, da APM, o índice atual é
de 0,3 profissional para cada 1 mil habitantes, quando o mínimo
ideal deveria ser quatro vezes maior, de 1,2. "Para sanar esta
demanda reprimida, acredito que ainda levaremos de cinco a dez
anos".
Na rede municipal, segundo a
prefeitura, atendem 37 pediatras atualmente, sendo 21 em unidades
de urgência, como as UPAs. Após concurso público realizado
recentemente, mais um pediatra foi chamado ontem e outro ainda será
para substituir um profissional que se aposentou. Para suprir
férias e evitar gastos com horas extras, ainda de acordo com a
pasta, o ideal seria contratar mais dois pediatras.