A Constituição Federal de 1988 consagrou a Saúde como ‘direito
de todos e dever do Estado, garantida mediante políticas sociais e
econômicas que visam à redução do risco de doença e de outros
agravos e possibilitando o acesso universal e igualitário às ações
e serviços para promoção, proteção e recuperação’.
Foi a partir deste marco histórico que ocorreu a instituição
formal do Sistema Único de Saúde, o SUS. No Capítulo 2, artigo 198
de nossa Carta Magna, estabeleceu-se que as ações e os serviços
públicos de Saúde integrariam uma rede regionalizada,
hierarquizada, organizada de acordo com as seguintes diretrizes:
descentralização, atendimento integral e participação da
comunidade.
Trinta anos passados, a criação do SUS ainda é vista, em
praticamente todo o mundo, como uma das propostas mais avançadas em
termos de inclusão social e universalização da assistência. De
fato, o Sistema Único de Saúde made in Brasil é mesmo,
teoricamente, o sonho de qualquer nação do planeta, das mais
carentes às potencias.
Isto posto, é essencial refletir sobre o abismo que ainda separa
o SUS do papel do SUS da vida real. Hoje, como há 30 anos, quem
necessita da Saúde pública sofre com a dificuldade de acesso, as
filas sem fim para marcar uma consulta ou uma cirurgia, a carência
de leitos, falta de medicamentos, unidades de Saúde sucateadas,
entre outras mazelas.
São muitas as explicações para o Sistema Único de Saúde viver
permanentemente à beira do caos. Todos os agentes do setor
concordam que o subfinanciamento é uma das principais. Segundo a
OMS (Organização Mundial da Saúde), a proporção destinada em alguns
países à Saúde chega a ser três vezes o índice brasileiro. Nos
Estados Unidos, 21,3% representam do orçamento nacional, contra 22%
na Suíça, 23% na Nova Zelândia e 20% no Japão. Entre nações em
desenvolvimento, o índice também é elevado. No Uruguai, 20%, contra
23% na Costa Rica ou 24% na Nicarágua.
Aqui a taxa estava em 6,8% em 2014, último ano disponibilizado
pela OMS. É menor do que a média da África, com 9,9% dos orçamentos
nacionais para a Saúde. Nas Américas, chega a 13,6%, contra 13,2%
na Europa.
Junto à falta de prioridade por parte do Estado, padecemos com a
incompetência de boa parte de gestores e com a corrupção. Estima-se
que a ineficiência e a burocracia redundem em perdas da ordem de
30% a 35%. Somados os desvios e os malfeitos, o Brasil vê vazar 50%
das verbas que seriam para a Saúde dos cidadãos.
Até a iniciativa privada joga contra, e sem disfarçar. No campo
suplementar, existem sugestões que visam somente enriquecer as
empresas de seguros e as operadoras, mesmo que, para tanto, seja
necessário desmantelar o SUS.
Agora mesmo, tramita no Congresso Nacional propositura de
criação de planos de saúde de cobertura limitada, ironicamente
batizados de ‘populares’. Significa retrocesso à Lei 9656/98, que
garante aos pacientes e consumidores assistência integral na saúde
suplementar, ferindo os direitos dos cidadãos e a boa prática da
medicina.
Estes planos são extremamente nocivos, pois, além da redução da
cobertura com a criação de um novo e limitado rol, preveem a
liberação de reajustes para os planos individuais e o aumento dos
prazos para agendamento de consultas e para o acesso a
procedimentos.
Também contemplam a exclusão de tratamento de alta complexidade,
de procedimentos como quimioterapia, urgências e emergências e
hospital dia. Em outras palavras, só suprirão o atendimento
ambulatorial, enquanto todos os procedimentos mais caros usados
pelos usuários terão de ser cacifados pelo SUS.
Todos estes disparates fazem do aniversário de 30 anos do
Sistema Único de Saúde uma espécie de ‘Dia D’. Ou nos mobilizamos
para defender esse patrimônio de todos nós ou perderemos a guerra
para inimigos visíveis e invisíveis.
É hora de resistir.
Antonio Carlos
Lopes
29/01/2018 | 07:07