RIO - A recessão e o desemprego fizeram com que mais de
1,5 milhão de pessoas deixassem de ter plano de saúde no ano
passado. Mesmo assim, as operadoras conseguiram aumentar seus
ganhos: a receita das empresas cresceu 12%, e o lucro líquido
aumentou 66%, segundo dados da Agência Nacional de Saúde
Suplementar (ANS). Segundo especialistas, a estratégia para obter
resultados melhores em ano de crise é repassar a conta para o
consumidor. Há reajustes de planos coletivos — equivalentes a 80%
do mercado — que chegam a 40%. Nos planos individuais, o aumento
foi de 13,55%, índice similar aos dos últimos dois anos. A própria
ANS reconhece o problema e diz que a tendência é que os planos de
saúde se tornem um serviço de elite.
O reajuste dos planos foi muito superior à
inflação, que fechou o ano passado com alta de 6,29%. Mesmo assim,
as contas não fecham para as operadoras, muito menos para os
usuários. Os planos individuais, cujo reajuste é fixado pela ANS,
praticamente não estão disponíveis no mercado. O consumidor, muitas
vezes, é levado a contratar planos coletivos por adesão, nos quais
o reajuste é livremente negociado entre operadora e empresa ou
associação que contratou o serviço. Ao aumentar o preço da
mensalidade, as operadoras empurram mais consumidores para fora dos
planos e não resolvem a pressão de custos médicos e hospitalares,
que subiram 14% no último ano. Para analistas, há risco até de se
inviabilizar o segmento.
— As operadoras estão lucrando num contexto de crise em que
outros setores estão indo mal. Se está havendo prejuízo pelo
aumento maior de despesas que de receita, ele não está sendo
repassado ao acionista, mas ao consumidor — diz Ana Carolina
Naverrete, pesquisadora de saúde do Instituto Brasileiro de Defesa
do Consumidor (Idec).
O estudante Michel Menezes, de 19 anos, contratou seu primeiro
plano de saúde, em fevereiro, e já sentiu o peso do reajuste: foram
28%, aplicados em maio.
— Consigo pagar porque ainda moro com meus pais. Mas o valor me
surpreendeu por vir antes de completar um ano que firmei o contrato
e pelo percentual — diz Menezes, que teve o aumento aplicado na
data de aniversário do contrato de adesão ao qual se vinculou.
A conta para Marco Antônio Cavalcanti veio ainda mais salgada. O
fotógrafo aposentado, de 65 anos, teve seu plano reajustado em 40%,
em junho, para R$ 2.900. Sem êxito na tentativa de negociar com a
administradora do benefício, ele vai recorrer à Justiça.
— Minha aposentaria toda vai para pagar essas taxas — desabafa
Cavalcanti.
PLANOS ATRASAM PAGAMENTO
Segundo José Cechin, diretor-executivo da Fenasaúde (federação
com 23 grandes empresas do setor) e ex-ministro da Previdência, as
operadoras fecharam as contas com déficit em seis dos últimos dez
anos. De acordo com Cechin, o resultado positivo de 2016 — de R$
6,46 bilhões — foi influenciado por ganhos obtidos com a aplicação
financeira das reservas obrigatórias exigidas pela ANS. A regra é
uma forma de assegurar que as empresas tenham recursos para
garantir a operação futura. Outro fator que contribuiu para o salto
de 66% nos ganhos do segmento foi a reversão de depósito judicial
de uma das empresas.
— A preocupação das nossas associadas é que a despesa com a
assistência está crescendo mais rapidamente do que as receitas. E a
sinistralidade (frequência de uso) também cresceu de uma média de
75% para 85% em 2016 — destaca Cechin
Problemas no
atendimento
Você paga o Plano
de Saúde e, na hora que precisa, tem o atendimento negado. Numa
situação desta, o usuário deve fazer contato de imediato com a
operadora para exigir solução. De acordo com a Proteste, em casos
de urgência e emergência, não pode haver negativa de atendimento.
Todos os Tribunais de Justiça do país mantêm um juiz de
plantão.
Pedro Ramos, diretor da Associação Brasileira de Medicina de
Grupo (Abramge), que reúne os planos, afirma que 30% das operadoras
que atuam no mercado estão no negativo. Ele argumenta que o setor
sofreu com reajustes represados em governos anteriores e que, mesmo
com os aumentos recentes, o equilíbrio dos contratos ainda não foi
retomado. O setor busca fechar um acordo com os hospitais — que
representam 40% das despesas — com duração de cinco anos para
reduzir custos. A proposta é trocar o pagamento por procedimento
por um modelo de pacote de serviços:
— Estamos reescrevendo a relação com os hospitais no Brasil.
Ramos diz ainda que só um modelo adequado de reajustes
permitiria mensalidades mais baixas no futuro:
— Precisamos aumentar a oferta de produtos, acabar com o
imbróglio dos reajustes por faixa etária, que sobrecarregam os
jovens. Estão todos embalados por uma canção que diz que os planos
têm que dar tudo, mas tudo tem um custo. Isso não pode ser
suportado.
Nos hospitais, por sua vez, os efeitos da crise se refletem nos
atrasos dos pagamentos das operadoras, que variam de 15 a 60 dias,
nos casos mais graves, segundo Fernando Boigues, vice-presidente da
Federação dos Hospitais do Estado do Rio (Feherj). Ele afirma que é
necessário fazer mudanças no modelo.
— É preciso fazer um estudo sobre esse pagamento por pacotes e
trabalhar em prevenção de custo — diz Boigues.
Rodolfo Garcia Maritano, superintendente executivo da Unimed
Brasil, admite que o ritmo de reajuste não é sustentável para o
consumidor.
— Ao aplicar um aumento elevado, você estimula quem usa pouco o
plano a sair. Ficam aqueles que usam com maior frequência. Isso não
é sustentável. No entanto, os custos na área de saúde sobem de
elevador, enquanto os reajustes vão pela escada. Para mexer no
custo, é preciso mexer na abrangência da cobertura e em gestão
assistencial — afirma.
Até agora, a solução apresentada pelas empresas para resolver a
crise é diminuir ainda mais a regulação sobre o setor. Na Câmara
dos Deputados se discute, em regime de urgência, a mudança na Lei
9.656/1998, que rege a saúde suplementar. Simultaneamente, a ANS
discute com especialistas uma proposta do Ministério da Saúde de
criação de planos acessíveis. Nas duas frentes, as iniciativas
preveem uma regulação ainda menor dos reajustes — hoje, somente
planos individuais ou coletivos com até 30 beneficiários são
acompanhados pela agência. Outras sugestões incluem reajustes
baseados em planilha de custos das empresas, prazo maior para
atendimento e redução de coberturas.
Arthur Rollo, titular da Secretaria Nacional do Consumidor
(Senacon), propôs à ANS, na última semana, o fim da figura das
administradoras de benefícios, obrigatórias pela regulação do setor
na contratação de planos coletivos:
— Em toda cadeia produtiva, o intermediário onera o custo. As
administradoras têm a função de proteger o consumidor, mas, se
assim fosse, não estariam como rés, ao lado dos planos, em ações
judiciais.
ANS: PLANO DEVE VIRAR SERVIÇO DE ELITE
Leandro Fonseca da Silva, diretor de Normas e Habilitação das
Operadoras e diretor-presidente substituto da ANS, diz que a
trajetória de custos das operadoras é insustentável e que a única
saída é repassar o custo ao consumidor:
— A tendência é que plano de saúde vire um serviço de elite.
Temos que fazer uma discussão mais ampla, como a que está sendo
feita para a Previdência, sobre como fechar essa equação da saúde,
seja ela pública ou privada. Essa conta vem pelo imposto ou pela
mensalidade.
Indagado sobre como a ANS vai atuar para evitar que o consumidor
seja muito onerado, ele foi lacônico:
— O desafio é grande.
Perguntada sobre o fato de não exigir maior oferta de planos
individuais, a ANS disse, em nota, que não há previsão legal para
obrigar as empresas a ofertarem estes planos. Em relação aos planos
coletivos, a agência argumenta que neste caso há livre negociação
entre empresas e operadoras. Na prática, porém, caso o trabalhador
não concorde com o reajuste aplicado, dificilmente encontrará um
plano individual disponível no mercado.
Em nota, a Associação Nacional das Administradoras de Benefícios
(ANAB), que representa as administradoras de benefícios, considera
elevados os reajustes aplicados pelas operadoras de planos de
saúde, decorrentes da Variação dos Custos Médicos Hospitalares
(VCMH) e de um modelo que precisa ser rediscutido. A associação
informa que os índices solicitados inicialmente eram superiores aos
que estão sendo aplicados após negociações e reafirma o seu
compromisso de trabalhar em conjunto com as entidades setoriais
para a redução da alta dos custos. A ANAB esclarece, ainda, que a
contratação de administradora de benefícios é opcional.