Por Pedro Ramos
Em algum momento alguém já parou para
pensar sobre as atividades cotidianas de uma operadora do seu plano
de saúde? Se sim, muito provavelmente pensou em atividades como
organização da rede de atendimento clínico, laboratorial e
hospitalar, avaliação do perfil epidemiológico da população
assistida e constante aperfeiçoamento interno em busca de melhorias
para o acompanhamento da saúde dos beneficiários.
Entretanto, essa rotina na verdade
está tomada por atividades jurídicas e regulatórias como, por
exemplo, a adaptação de processos administrativos às mudanças
habituais das regras e normativos da Agência Nacional de Saúde
Suplementar e concentrada também nas defesas de multas, muitas
vezes improcedentes, com valores extremamente elevados e
desproporcionais.
O ambiente regulatório dos planos de
saúde está propenso à proliferação de multas e inconformidades, uma
vez que é regido por um conjunto de regras extenso, confuso, rígido
e que sofre alterações constantes. Além disso, são exigidas
diversas informações periódicas pela ANS, e qualquer falha gera um
processo administrativo sancionador e, por fim, multas.
Segundo dados levantados junto à
agência, o valor médio das multas das operadoras de planos de saúde
gira em torno de R$ 91,5 mil. Isso equivale a 384 mensalidades — de
acordo com a média de mercado —, a 1.255 consultas médicas ou ainda
a 2.716 exames. Tudo isso somente para privilegiar o pagamento de
uma única multa. Por vezes, o valor da autuação chega a ser
superior à geração de resultado econômico pelo setor, tornando o
seu pagamento impraticável.
Segundo estimativa da Abramge, a
cobrança em 2016 pode superar a barreira de R$ 1 bilhão, o que é
preocupante para esse setor econômico. Para os desavisados isso
pode significar que o serviço ao consumidor de planos de saúde vai
mal. No entanto, os números expõem cenário contrário.
O Sistema Nacional de Informações de
Defesa do Consumidor (Sindec), órgão ligado ao Ministério da
Justiça que reúne queixas dos Procons de todo o País — aponta que,
mesmo com a crise financeira que assola nossa economia, o setor de
planos de saúde conseguiu manter seu padrão de qualidade,
melhorando uma posição nesse ranking, saindo de 17º para 18º lugar
dentre os mais reclamados. Importante ressaltar que o setor jamais
esteve dentre os dez mais reclamados.
Como explicar, então, esse paradoxo
entre a melhoria do atendimento e aumento na arrecadação da ANS com
multas? As regras e normas que regem o setor de saúde suplementar
sofrem alterações constantes e não é difícil encontrar casos de uma
mesma resolução normativa ter sido alterada mais de uma vez no
decorrer de um único ano.
Dessa maneira, um erro interpretativo
destas normas ou a não adequação dos sistemas operacionais para
atender a essas mudanças resulta mais uma vez processos
administrativos sancionadores e, novamente, multas. É preciso
repensar com urgência toda esta (des)organização. Para começar a
preparar este processo, é premente a revisão das regras que definem
o valor das multas aplicadas, equilibrando as penalidades com a
realidade financeira do setor, bem como a priorização da atenção à
saúde a despeito de autuações excessivamente punitivas.
Operadoras de planos de saúde devem se
concentrar em investir prioritariamente na atenção e recuperação da
saúde de seus beneficiários. Os procedimentos internos
desenvolvidos para atender a uma regulação complexa, com constantes
mutações, precisam ser racionalizados.
O setor também precisa voltar a
investir naquilo que realmente gera valor aos beneficiários,
tornando primordial medidas que permitam às operadoras reverterem o
passivo de autuações na ampliação de investimentos e melhoria do
atendimento, sempre com foco na atenção à saúde da população.
Ainda que a ANS tenha o compromisso
institucional de fiscalizar o mercado utilizando o instrumental
necessário, é chegada a hora de recalibrar essa visão, afinal os
recursos das operadoras saem do bolso do cidadão. É justo o cliente
de plano de saúde pagar por uma multa que não será revertida em
benefício próprio?
No caso das telecomunicações, a
Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) vislumbrou uma
solução que atende as empresas e os consumidores transformando
multas em investimentos voltadas aos clientes que pagam pelos
serviços. Quem sabe esse pode ser um caminho a se trilhar.