Cerca de 30% das operadoras de planos de saúde alvos de cobrança de ressarcimento por atendimentos feitos a seus usuários no SUS ainda não pagaram nem 1% do valor que devem à rede pública.
Os dados de 2001 para cá foram tabulados pela Folha a partir de planilhas da ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar), órgão regulador e responsável por exigir esse valor de volta ao SUS.
A cobrança ocorre todas as vezes em que a agência, por meio de cruzamento de dados do Ministério da Saúde, verifica que um paciente foi atendido na rede pública para um serviço que poderia obter na rede suplementar -ou seja, dentro do que foi contratado com o seu plano de saúde.
Desde 2001, quando iniciou o monitoramento, até julho deste ano, foram cobrados R$ 2,1 bilhões de ressarcimento ao SUS por esses atendimentos. Na prática, 40% desse valor não foi pago nem parcelado para recebimento futuro, o equivalente a R$ 826 milhões (em valores nominais).
A demora ou a completa falta de pagamento envolve parcela significativa de operadoras de saúde. De 1.551 que receberam cobranças para ressarcir o SUS, 444 não pagaram nada ou menos de 1%.
Há outras 125 que pagaram ou parcelaram entre 1% e 9% e 210 que acertaram de 10% a 49% —ou seja, menos que a metade do valor.
Do total, 372 pagaram ou se comprometeram a pagar em parcelas tudo o que devem —outras 154, acima de 90%.
Lideram o ranking de operadoras com maiores débitos sem pagamento Hapvida (R$ 40 milhões), Central Nacional Unimed (R$ 35 milhões) e Unimed BH (R$ 24 milhões).
Grupos de planos de saúde atribuem a falta de pagamento a uma discordância sobre quais procedimentos podem ser cobrados, quais deveriam ter sido feitos ou até mesmo em relação ao próprio processo de ressarcimento.
A cobrança é prevista desde a lei 9.656, de 1998, que trouxe regras para os planos de saúde. “É um instrumento de justiça contábil, criado para evitar que planos se sintam motivados a se desobrigar de coberturas e enviar seus pacientes ao SUS”, afirma Mário Scheffer, professor da Faculdade de Medicina da USP.
COMO FUNCIONA O RESSARCIMENTO AO SUS
1. Identificação
Por meio de dados do Ministério da Saúde, ANS verifica se houve atendimentos na rede pública a usuários de planos de saúde.
2.Verificação
Agência constata se o atendimento estava na lista de cobertura dos planos.Se sim, analisa se é o caso do ressarcimento.
3.Notificação
Se notar que assistência poderia ter sido feita pelo plano, e não pelo SUS, ANS cobra esclarecimentos operadora
4.Resposta
As operadoradoras podem:
– Contestar: justificativas são analisadas pela ANS
– Não contestar: ressarcimento é cobrado
5. Pagamento
Valor é reaplicado no SUS. Caso não haja pagamento, após 75 dias de cobrança o processo vira dívida ativa.
Na prática, porém, as notificações de cobrança só começaram em 2001. Ainda assim, só para procedimentos mais simples —serviços de alta complexidade, como hemodiálises e quimioterapia, por exemplo, só foram incluídos nas análises em 2015.
“Há um passivo imenso que não foi cobrado. E do pouco que é cobrado, muito não é quitado”, diz Scheffer.
CONTESTAÇÕES
Depois da identificação dos atendimentos, o processo prevê a notificação das operadoras, que podem contestar os valores em até duas instâncias administrativas antes de serem cobradas.
Desde 2001, foram notificados 3,1 milhões de atendimentos na rede pública a usuários de planos de saúde, valor que equivaleria a R$ 5,5 bilhões —desse total, cerca de 80% foram alvo de contestação pelas operadoras.
Entre as contestações, 28% foram aceitas e tiveram a cobrança cancelada. Segundo operadoras e a ANS, as principais justificativas são o período de carência dos contratos ou atendimentos feitos em cidades fora da abrangência do plano.
Outras 41% foram rejeitadas e enviadas à cobrança e 30% ainda estão em análise —só essa parte pendente equivale a R$ 1,4 bilhão.
Entre estratégias para aumentar o ressarcimento, a ANS diz apostar na cobrança de juros, iniciada em 2015, no envio de notificações eletrônicas e na inclusão do índice de pagamento em avaliações de qualidade dos planos.