Em entrevista para a jornalista
Luciana Casemiro, do jornal O Globo, divulgada em 22 de novembro, o
presidente da FenaSaúde, Marcio Coriolano, fala sobre a necessidade
do modelo atual da Saúde Suplementar ser revisto para dar
sustentabilidade ao setor. Confira.
Relatório da Fenasaúde mostra que
há empresas que deram prejuízo. Como criar um setor mais
sustentável como negócio, uma vez que o consumidor já não consegue
pagar esses custos?
Tem duas questões. Primeiro,
criou-se uma expectativa na população, expectativa essa real,
colocada na lei, na regulamentação pelo governo, de que no plano de
saúde as pessoas podem ter acesso a qualquer coisa. O governo
coloca a questão dessa forma, e a população reage a tudo que vá
contra essa expectativa. Só que a realidade tem mostrado que, nesse
modelo, no qual a cada ano novas condições de atendimento e de
tratamento são incluídas sem que se tenha compatibilidade entre o
custo e a capacidade de pagamento da população, não se chega a
lugar algum. Não dá mais para botar bandaid. Acho que não está mais
na hora de micro, mas de macrossoluções. Hoje existe uma ra zoável
unanimidade de que é preciso sair do imobilismo para discutir uma
coisa nova. Para que esse sistema possa se sustentar ao longo do
tempo, é preciso repensar o modelo.
O setor deixou de ser
suplementar?
Talvez. Mas, aos próprios olhos do
governo, pela regulamentação, ele é igualzinho ao setor público,
pois tem que oferecer universalidade, integralidade e equidade.
Existe um erro de origem, de que os planos têm que cobrir tudo, em
qualquer lugar do Brasil. Isso não é possível. Até porque é um país
absolutamente diverso. Não se tem a mesma infraestrutura em São
Paulo, Rio, Nordeste e Norte. Existe uma espécie de mentira em
geral nessa história de que os planos estão oferecendo tudo para
todo mundo. E esse problema não é de custo, é de acesso.
E o custo?
A questão do custo é outra. E não é
unicamente brasileira. O caso dos Estados Unidos, por exemplo, é
emblemático. O custo da medicina lá é altíssimo, dez vezes superior
ao do Brasil. E eles já começaram a dar conta da introdução da
tecnologia no rol de procedimentos há muito tempo, a pensar na
compatibilidade do custo da medicina com a capacidade de pagamento
do cliente.
As entidades de defesa do
consumidor defendem que não deveria ter rol, mas a cobertura
integral…
Seria pior ainda. A questão é que a
dimensão econômica do setor nunca foi discutida. É como se fosse
pecado. Nunca se falou que inovação tecnológica tem relação com
custo, qual a capacidade de pagamento da população em relação a
esse preço, o que significa reajuste para além de uma ameaça ou de
um inimigo comum que povoa a preocupação das pessoas. E quando falo
econômica não é a conta de receita e despesa, é a macropolítica
econômica do setor. É como se remunera o serviço, como se agrega
valor ao longo da cadeia, como se compatibiliza capacidade de
pagamento com custo. Vamos debater esses temas no I Fórum de Saúde
Suplementar, nos d ias 24 e 25 em São Paulo.
Não seria necessário
repensar a forma de remunerar essa cadeia para promover
saúde?
Sim. Hoje as operadoras não pagam
melhor pelo ato médico, porque nessa cadeia de valor da saúde tem
uma ponta que está consumindo tanto dinheiro que impede que você
valorize melhor um determinado elo. O valor de uma consulta você
sabe, mas tem o outro elo da cadeia, que são os laboratórios e os
hospitais, em que todo dia é de custo, e que você não tem controle.
Nós passamos 18 anos botando band-aid. Discutir que a operadora não
está atendendo no tempo certo está bem. Mas se as pessoas fossem um
pouco menos mal-humoradas, teriam que perguntar por que não se
consegue atender no tempo certo? A ANS (Agência Nacional de Saúde
Suplementar) virou um órgão de punição. O que a sociedade gan ha
com as empresas tendo de pagar multa todo dia?
Na verdade, a população se sente
mal atendida, como se estivesse de novo enfrentando as filas do
SUS…
Não dá mais para tratar a solução
do sistema só através da história do consumidor Temos que discutir
por que isso está acontecendo e qual o remédio para isso.
É um remédio que dá para
pagar?
O consumidor pode chegar à
conclusão de que pode vir a perder na mudança de modelo, mas é
melhor do que não ter isso no futuro. Não se pode chegar a esse
ponto.
Podemos ter perdas,
então?
Já estamos tendo. Tínhamos alguns
modelos de intervenção e liquidação de operadoras pequenas. Agora
começa a ter gente grande quebrando.
A regulamentação dos outros
elos da cadeia seria uma saída?
A gente muitas vezes tende a pensar
que tem de regular o setor como um todo, médicos, laboratórios,
indústria farmacêutica e hospital. Isso vai ter que ser feito em
algum momento, mas não elimina a possibilidade de outras coisas
mais imediatas.
Como o quê?
Como o que está acontecendo nos EUA
neste exato momento. A chamada ACO (Accountable Care Organizations)
é uma operadora de prestação de serviço, que não é remunerada pelo
valor por procedimento. Funciona assim: por exemplo, ele diz que o
custo médio na região é de cem moedas e promete entregar por 20%
menos. Atingindo essa redução, 10% são deles, e os outros 10%, da
operadora, entre outros modelos. Para atingir essa redução, um dos
pontos é cuidar da integralidade da saúde do paciente. Outra
experiência que queremos trazer é um instrumento, o HCCI, também
americano, que sistematiza valores de materiais, medicamentos,
procedimentos, de forma a entregar para a sociedade os dados com
transpar&ec irc;ncia e clareza.
E tem como viabilizar isso
aqui?
Tudo é uma questão de incentivo. Se
o governo incentivar a formação de uma ACO, precisa de capital, de
um instrumento de gestão, precisa ir lá nos EUA para ver como
fizeram funcionar para trazer as receitinhas prontas que podem ser
adaptadas ao Brasil, é um investimento, enfim.
Nesse novo cenário, como fica a
questão dos reajustes e da oferta de planos? Os individuais,
regulados, praticamente inexistem.
A solução não está no reajuste, mas
na redução do custo. Crescer custo em 18% ao ano, que é cerca do
dobro da inflação média, não faz sentido. A questão do plano
individual, se a ANS, por razões políticas, administrativas ou de
modelo, continuar a permitir reajustes menores do que a inflação da
saúde, ninguém vende mais. Mas a população tem que ter uma saída,
ela está indo para coletivo por adesão. Pode ter um aumento de
custo maior? Pode. E daí? Tem um bando de gente que acha que esses
safadinhos não repõem o preço no individual e vão para o coletivo,
é isso. E aí? E se o governo regula esse reajuste também, acaba com
o coletivo. O que não pode é dizer que o setor está muito caro e
não pode repassar. Não faz sentido. Essa discussão já era. Tem
empresa que não conseguiu repassar seus custos e está
quebrando.
E a
portabilidade?
Esse negócio de que os consumidores
estão protegidos pela portabilidade, mais ou menos… Ele vai migrar
para onde? Se ele sai de uma empresa pequena, vai ter condição de
pagar uma grande? Não tem.
Os ex-clientes da Unimed Paulistana
reclamam de aumento…
Mas a empresa onde eles estavam
quebrou justamente por ter um preço baixo. Não se consegue uma
empresa sustentável naquele valor. O consumidor tem que cair na
real. A ANS também tem que ter essa preocupação, se o preço do
produto é sustentável e, se não for, proibi-lo.
Com a crise, tem havido um
downgrade de planos?
Há relatos de consumidores que têm
buscado dentro da própria empresa ou em outras operadoras planos de
menor custo.
A coparticipação é uma
forma de controle de gastos?
Acho bastante efetiva, o que
diferencia o Brasil dos EUA é que a coparticipação aqui é comumente
usada em consultas e exames, internação você não tem tanto. É um
outro formato. A ANS até tem se mostrado interessada em discutir
isso, está preocupada porque teme a reação da população.