Conforme a Organização Mundial da Saúde (OMS), 14
milhões de pessoas são diagnosticadas com câncer todo ano, sendo
60% dos casos em países pobres. A doença mata mais do que malária,
tuberculose e aids juntas. A epidemiologia é um retrato cruel da
realidade. Vários tumores preveníveis, como câncer de colo de útero
e de fígado, são muito mais frequentes em países pobres. Quando o
país “enriquece”, os cânceres de mama, intestino e pulmão são mais
comuns. A causa deste alarmante crescimento é multifatorial,
incluindo envelhecimento da população _ que morre menos de doenças
infecciosas e cardíacas _ e hábitos danosos como tabagismo e
consumo exagerado de álcool. Essa transição demográfica pode
parecer para os otimistas como um sinal de que estamos
enriquecendo. Os recursos, entretanto, não estão passando por essa
mesma modificação. Além disso, carecemos de especialistas, exames
de qualidade e fluxos ágeis de encaminhamento. Nem 20% das mulheres
na faixa etária de maior risco para câncer de mama, por exemplo,
têm acesso a um profissional treinado ou à mamografia. E, quando
feito o diagnóstico, podem levar meses para começar tratamento. A
necessidade de busca de solução é evidente do ponto de vista
médico, mas preocupações são, também, uma questão econômica. O tema
foi discutido na revista The Economist: os pobres não só tem mais
risco de morrer da doença, mas sofrem mais por não ter acesso ao
tratamento. É um efeito colateral da informação: saber que existem
remédios inacessíveis. Palestrei recentemente em um evento global
sobre novas tecnologias em saúde e foi difícil explicar para uma
plateia europeia que existe diferença entre ser elegível para
tratamento e efetivamente recebê-lo de forma articulada e correta.
Mesmo no setor privado _ privilégio de 20% da população _ existe um
overbooking com um sistema já lotado. A ineficiência é tão cruel
quanto a doença em si, chamada por S. Mukherjee, ganhador do prêmio
Pulitzer, de “Imperador de Todos os Males”. O gasto mundial
estimado em câncer é de US$ 320 milhões por ano, e a OMS calcula
que a mortalidade pode cair à metade se o dinheiro for usado de
forma correta.
Medidas preventivas e informativas são prioridade
não só por reduzir a incidência da doença, mas quanto mais o câncer
é visto como curável, maior a chance das pessoas buscarem
tratamento e cobrar um sistema mais eficiente. Atualmente,
desenhado para resolver problemas agudos, o sistema de saúde tem
que estar preparado para um futuro sobrecarregado e com necessidade
de recursos. Existem várias diferenças entre o Brasil e os países
ricos mas, fundamentalmente, a essência é investimento e gestão. A
população precisa cobrar um sistema eficaz e definir onde tem mais
sentido investir seu dinheiro. Saúde parece ser uma decisão
sensata.
*
Artigo publicado originalmente no jornal Zero Hora de 08 de abril
de 2014