"As mulheres com depressão, em geral, se achavam piores mães.
Diziam que o bebê dava mais trabalho, que elas tinham mais
dificuldades nos cuidados com a criança, eram mais impacientes e
dedicavam menos tempo ao filho. Mas quando os vídeos foram
analisados por avaliadores que desconheciam a condição psicológica
materna, de acordo com a escala de disponibilidade emocional de
Biringen, não foi percebida diferença entre as mães com e sem
depressão. Isso significa que a sintomatologia depressiva não
interferiu significativamente na qualidade da interação mãe-bebê
aparente para um observador externo", contou Otta.
Essas análises foram realizadas durante o trabalho de pós-doutorado
de Vera Regina Jardim Ribeiro Marcondes Fonseca. Os resultados
foram divulgados em artigo publicado nos Cadernos de Saúde
Pública.
Em outro estudo, realizado durante o mestrado de Renata de Felipe,
sob orientação de Vera Silvia Bussab, também vinculado, observou-se
que as mães com depressão pós-parto vocalizavam menos com seus
bebês, principalmente quando tinham outros filhos.
De Felipe também relatou que o padrão de interação das mães sem
depressão com seus filhos era mais consistente e aquelas que
verbalizavam mais também sorriam mais e olhavam mais para seus
bebês. Essa correlação entre verbalização, sorriso e olhar não foi
observada entre as mães com depressão.
Desenvolvimento infantil
Durante as observações feitas aos quatro meses, os pesquisadores
notaram que os filhos das mulheres com depressão pós-parto
procuravam menos o olhar da mãe. No entanto, não houve nesse
momento diferença no desenvolvimento neuropsicomotor entre os dois
grupos.
Quando as crianças completaram 12 meses, foi aplicado o
procedimento da Situação Estranha de Ainsworth, que busca avaliar o
estilo de apego da criança à mãe e seu grau de segurança. A análise
dos vídeos mostrou que os filhos de mães depressivas exploravam
menos a sala, manipulavam menos os brinquedos e apresentavam mais
movimentos repetitivos com as mãos, braços e cabeça quando
interagiam com uma pessoa estranha na ausência temporária da
mãe.
Essa análise foi realizada durante o trabalho de pós-doutorado de
Carla Cristine Vicente, com apoio da Fapesp.
"Podemos dizer que as crianças apresentaram desenvolvimento típico,
mas que algumas diferenças de ritmo foram identificadas. Os filhos
de mães com depressão apresentaram um desempenho inferior em
desenvolvimento motor fino [manipulação de objetos, movimentos
delicados] e motor grosso [andar, subir escadas]. Curiosamente,
essas crianças se saíram melhor na avaliação de linguagem do que os
filhos de mãe sem depressão. Talvez por terem uma mãe menos
responsiva, tivessem de aprender a se expressar mais verbalmente",
contou Tania Lucci, que fez seu mestrado sobre o tema.
Durante o estudo, foram aplicados vários protocolos de pesquisa
para avaliação de empatia e comportamentos sociais. Aos 24 meses,
foi realizado o teste do Teddy Bear, que busca avaliar a reação das
crianças diante de uma pessoa em dificuldades.
"Mais de 60% dos bebês tentou ajudar o experimentador quando este
começou a chorar depois que o seu ursinho de pelúcia quebrou.
Algumas chamaram a mãe e outras chegaram a dar seu próprio
brinquedo na tentativa de consolar o pesquisador. Não foi
identificada relação com a condição materna", contou Otta. Esta
análise foi realizada durante o mestrado de Gabriela Sintra
Rios.
Em tarefas de cooperação social, aos 36 meses de idade, os filhos
de mães com depressão ignoraram mais o pedido materno para
interromper a brincadeira e ajudaram menos a guardar os brinquedos
em uma caixa. Além disso, ajudaram menos a pesquisadora em
dificuldades.
"As crianças filhas de mães sem depressão negociam mais com as
mães", comentou Vera Bussab, orientadora do doutorado de Laura
Cristina Stobäus.
Avaliou-se também, aos três anos, a compreensão da direção do olhar
e da intencionalidade, por meio de desenhos. Quanto maior o escore
de depressão das mães, menor a adesão das crianças à tarefa
proposta e menor o desempenho. A análise foi feita durante o
doutorado de Alessandra Bonassoli Prado, sob orientação de
Bussab.
Desenvolvimento adequado
No oitavo e último encontro, realizado 36 meses após o parto, 45
pais também participaram das entrevistas e gravaram vídeos de
interação com as crianças. A análise dos resultados foi realizada
durante o pós-doutorado de Julia Scarano de Mendonça e mostrou que
parceiros de mães com depressão pós-parto apresentavam maior
envolvimento com as crianças.
"Podemos imaginar que o pai esteja compensando a atenção que a mãe
não está conseguindo dar", avaliou Bussab. Os dados foram
divulgados em artigo publicado no periódico Family Science.
Os pais também responderam uma escala que avalia risco de
depressão. Detectou-se uma associação entre a depressão materna e a
paterna. Além disso, os pais com mais indicadores de depressão
foram também os que se autoavaliavam mais envolvidos com a
família.
"A associação entre esses dois resultados sugere que a depressão
paterna induzida pela depressão materna funciona aumentando o
envolvimento do pai com a família, o que corrobora uma hipótese da
função adaptativa da depressão que consiste em angariar apoio
social", disse Bussab.
Três anos após o parto, 65% das mulheres identificadas no quarto
mês com depressão pós-parto ainda apresentavam sintomas
depressivos. Para Morais, os resultados reforçam a importância de
dar maior atenção às pessoas em situação de vulnerabilidade social
e de criar políticas públicas de prevenção e intervenção
precoce.
"Ficou claro que o problema é crônico. É uma questão que precisa
ser abordada pelos profissionais de saúde na atenção básica,
levando em conta aspectos emocionais integrados aos aspectos
físicos", disse Morais.
Na opinião da pesquisadora do Instituto de Saúde, além de treinar
médicos generalistas para que possam dar maior atenção à saúde
mental de seus pacientes, seria recomendável que agentes
comunitários acompanhassem de perto as mulheres que apresentam
fatores de risco para depressão pós-parto e as estimulassem a
participar de grupos de gestantes ou de pós-parto em suas
comunidades.
"A pesquisa mostrou que as mães com depressão pós-parto lidam com
os sintomas de tal forma que conseguem preservar o desenvolvimento
adequado do filho. As crianças também têm mecanismos protetores, de
resiliência. Ainda assim, encontramos alguns prejuízos no
desenvolvimento. Acompanhamos até o terceiro ano de idade, mas
existem problemas que podem aparecer mais tarde", afirmou.
O estudo longitudinal e multicêntrico contou com pesquisadores do
IP-USP, da Faculdade de Medicina da USP, do Hospital Universitário
da USP, do Centro de Saúde Escola do Butantã e do Instituto de
Saúde de São Paulo.