Os medicamentos se tornam automaticamente mais baratos assim que
suas patentes expiram. É aí que outras empresas podem produzir
versões genéricas, ou seja, o mesmo princípio ativo sob um nome
diferente. No entanto, segundo especialistas, se os fregueses de
todo o mundo comprassem remédios apenas ao preço de custo, a
situação não seria sustentável a longo prazo.
"A indústria farmacêutica precisa ter lucro para poder desenvolver
novos medicamentos", diz Anita Katharina Wagner, professora de
Saúde Pública da Harvard Medical School, nos Estados Unidos.
Empresas farmacêuticas como a Sanofi afirmam oferecer medicamentos
o mais barato possível nos países em desenvolvimento. Em
contrapartida, vendem os mesmos remédios nos Estados Unidos e na
Europa acima de seu valor real.
"A mesma vacina é vendida nos Estados Unidos e Europa por 50 euros,
na África a 3 ou 4 euros. No meio, estão países como Brasil, África
do Sul e Tailândia, que pagam entre dez e 20 euros", explica
François Bompart, do programa Acesso a Medicamentos, da Sanofi.
Recursos para novos remédios
O esquema de preços escalonado "faz sentido", na opinião de Joe
Kutzin, da Organização Mundial de Saúde (OMS). Especialmente para
remédios de alto custo, como os mais novos contra o câncer e o HIV.
De outra forma, os habitantes dos países em desenvolvimento não
teriam como bancar esses medicamentos.
No entanto, o escalonamento de preços falha quando se trata de
diversas enfermidades tropicais, que acometem apenas os pobres dos
países de baixa renda – como é o caso da doença do sono, comum na
África. A única forma de desenvolver medicamentos contra essas
doenças e salvar vidas, é por meio de parcerias entre organizações
não governamentais, governos e a indústria farmacêutica.
No caso da malária, por exemplo, a empresa GlaxoSmithKline (GSK)
trabalha no desenvolvimento de uma vacina em parceria com 11
centros de pesquisa africanos. O projeto conta com apoio financeiro
da Fundação Bill e Melinda Gates.
Sistemas de financiamento
Porém, mesmo um medicamento barato pode ser caro demais se o
necessitado não dispõe dos meios. Para Kutzin, da OMS, a melhora do
acesso ao sistema de saúde e, consequentemente, aos medicamentos,
exige sistemas de financiamento da saúde.
"Queremos que os pacientes não tenham que pagar no momento em que
precisem recorrer a um serviço de saúde. Ou, pelo menos, não tanto
que isso constitua uma barreira. Eles não devem se ver forçados a
decidir entre o seu bem-estar financeiro e o físico."
Tim Evans, diretor do departamento de Saúde, Nutrição e População
do Banco Mundial, acrescenta que existem muitas formas possíveis de
financiamento. Por exemplo, planos de saúde, "ou impostos sobre
cigarro e álcool, que então são encaminhados para os fundos de
saúde".
Sucesso na Índia
Na Índia, a Agência Alemã de Cooperação Internacional (GIZ) apoiou
o governo na organização de um sistema de financiamento que
possibilita tratamento gratuito nos hospitais para as famílias
pobres. Por paciente, o governo indiano paga até 30 mil rúpias
(cerca de 340 euros) por ano. Para esse fim, o governo providenciou
cartões eletrônicos (smartcards), com os quais as famílias mais
pobres se identificam nos hospitais. O programa funciona desde
2008.
Se o custo do tratamento excede 30 mil rúpias, contudo, as famílias
têm que pagar. Nishant Jain, do programa Segurança Social, da GIZ
na Índia, explica que o valor estipulado para o teto é
propositalmente baixo, a fim de que o programa possa atender a mais
famílias. "Parece pouco dinheiro, mas é o suficiente. Até agora
atendemos 5 milhões de casos, e menos de 2% alcançaram o teto de
custos. Assim, pudemos tratar a maioria dentro desse limite".
Jain acredita que, para melhorar o sistema de saúde de um país, é
preciso um bom modelo de negócios. Antes de o programa começar na
Índia, em muitas áreas rurais quase não havia hospitais, exatamente
onde vivem muitas pessoas carentes. "Agora, empresas privadas estão
instalando hospitais nessas áreas", conta Jain. "Elas notam que
muitos possuem o cartão de saúde lá, e farejam um negócio."
Formação profissional é vital
"Medicamentos são uma parte importante do abastecimento de saúde,
mas muitas vezes não a parte mais crítica", diz Bompart, da empresa
Sanofi. "Você precisa de boas enfermeiras, bons médicos, bons
especialistas. Remédios sem formação profissional, não faz
sentido."
Ele cita o exemplo da epilepsia. A doença neurológica crônica afeta
50 milhões de pacientes no mundo todo, 90% dos quais vivem em
países em desenvolvimento. Eles sofrem convulsões recorrentes,
embora existam medicamentos capazes de preveni-las. Dados da OMS
apontam que em países em desenvolvimento, três quartos de todos os
epiléticos não recebem o tratamento adequado.
"Se a epilepsia não é tratada hoje, não é por que os medicamentos
são caros. Os pacientes simplesmente não são diagnosticados
corretamente", afirma Bompart. Também Speciosa Wandira-Kazibwe,
médica e consultora do presidente de Uganda para questões de saúde,
aponta a dificuldade de fazer bons diagnósticos em seu país: "Falta
tecnologia para diagnosticar as doenças".
Em algumas culturas, acredita-se que os epilépticos são possuídos
pelo demônio. Muitas famílias sentem vergonha de ter parentes
doentes e os escondem, em vez de buscarem ajuda médica. Programas
assistenciais visam a combater esse estigma, esclarecer as
comunidades que a epilepsia é apenas uma doença comum, passível de
ser tratada. Esse, portanto, seria apenas o primeiro passo para que
os pacientes recebam os remédios que os tornarão saudáveis.