Um dos mitos mais conhecidos sobre o cérebro é o de que
utilizamos apenas 10% de sua capacidade.
É uma ideia atraente, pois sugere que poderíamos ser muito mais
inteligentes, bem-sucedidos e criativos se conseguíssemos
aproveitar os outros 90% que podemos estar desperdiçando.
Infelizmente, isso parece não ter nenhum fundamento.
Mito dos 10% do cérebro
Não é bem claro a que se referem esses tais 10% de utilização, e
nem a origem da alegação.
Se a afirmação se refere a 10% de regiões cerebrais, então é fácil
refutá-la. Usando uma técnica chamada imagem de ressonância
magnética funcional, neurocientistas podem identificar as partes to
cérebro que são ativadas quando uma pessoa faz ou pensa em
algo.
Uma simples ação, como abrir e fechar a mão, ou dizer algumas
poucas palavras, ilumina uma parte do cérebro muito maior do que
uma décima parte. Mesmo quando se supõe que a pessoa não está
fazendo nada, o cérebro está trabalhando bastante, controlando
funções como respiração, atividade cardíaca ou memória.
Se os 10% mencionados se referirem ao número de células do
cérebro, ainda assim a afirmação não procede.
Quando qualquer célula nervosa deixa de ser utilizada, ela se
degenera e morre, ou é colonizada por outras áreas vizinhas. Não
permitimos que as células de nosso cérebro fiquem ociosas. Elas são
valiosas demais. Segundo o neurocientista Sergio Della Sala, o
cérebro necessita de muitos recursos. Manter o tecido cerebral
consome 20% de todo o oxigênio que respiramos.
Einstein?
Como pode então uma ideia sem fundamento biológico ou
fisiológico ter conseguido se espalhar desse jeito? É difícil
rastrear a fonte original do mito. O psicólogo e filósofo
norte-americano William James escreveu no livro As energias do
homem que "utilizamos somente uma pequena parte de nossos possíveis
recursos mentais e físicos".
Ele pensava que as pessoas podiam progredir mais, porém não se
referia ao volume do cérebro nem à quantidade de células, tampouco
a uma porcentagem específica - naquela época, ainda não vigorava a
ideia atual que os cientistas sustentam de que mente e cérebro são
uma coisa só, ou que a mente é uma emanação do cérebro.
A referência aos 10% é feita em um prólogo da edição de 1936 do
popular livro de Dale Carnegie Como ganhar amigos e influenciar
pessoas. Outras pessoas dizem que Albert Einstein foi a fonte da
afirmação. Della Sala tem tentado encontrar essa citação, mas
ninguém que trabalha no arquivo Albert Einstein pôde sequer
confirmar que tenha existido.
Pistas dos 10%
Mas existem dois fenômenos que talvez possam dar uma pista desse
mal-entendido.
Nove de cada dez células do cérebro são do tipo neuróglias ou
células gliais, que são células de apoio, que provêm assistência
física e nutricional. Os outros 10% das células são os neurônios,
que se encarregam de "pensar".
Assim, talvez se tenham interpretado que os 10% das células que
se ocupam do trabalho duro de pensar poderiam aproveitar também as
neuróglias para aumentar a capacidade cerebral pensante. Só que
essas células são totalmente distintas e não podem simplesmente se
transformar em neurônios para nos dar mais potência mental.
Há no entanto, um grupo de pacientes, cujas imagens do cérebro
revelaram algo extraordinário.
Em 1980, um pediatra britânico chamado John Lorber mencionou na
revista Science que alguns dos pacientes com hidrocefalia, que
tinham muito pouco tecido cerebral, ainda assim tinham um cérebro
que podia funcionar.
O caso, sem dúvida, demonstra que todos nós podemos usar nossos
cérebros para fazer mais coisas do que sabemos, já que é sabido que
as pessoas se adaptam a circunstâncias extraordinárias.
É certo, claro, que se nos propusermos, podemos aprender coisas
novas. E cada vez há mais evidência que mostra que nosso cérebro
muda. Porém, não parece ser que estejamos explorando uma nova área
do cérebro. Acredita-se que, quando novas conexões entre as células
nervosas são feitas, perdemos velhas conexões das quais já não
necessitamos.
Talvez falar em um espaço cerebral de 90% para desenvolvimento
seja uma forma atrativa porque oferece um potencial enorme para se
melhorar.