"Entrei na Justiça para suspender o
aumento. Mesmo assim, R$ 9.900 é muito alto. Minha filha, que me
ajuda a pagar, teve redução de salário. Para piorar, em maio,
tivemos que pagar dois boletos, o do mês, que venceu dia 5 e o de
junho, no dia 26", queixa-se.
Falta regulação
Rafael Robba, especialista em
direito à saúde, do escritório Vilhena Silva Advogados, diz que
desde que a pandemia começou recebe consultas diárias de usuários
da saúde suplementar atrás de orientações de como negociar a
mensalidade.
"Legalmente não há nada que obrigue
a negociação. Mas o que vemos hoje é que até para trocar o plano
por um mais barato está sendo preciso ir à Justiça. As operadoras
estão muito inflexíveis. Nos contratos coletivos com 15 dias de
atraso já suspendem o atendimento; com um mês, cancelam", diz.
Pela lei de planos de saúde, apenas
planos individuais e familiares têm a garantia de atendimento com
até 60 dias de atrasos, consecutivos ou não, nos 12 meses de
vigência do contrato. Santos, Carolina e Gonçalves têm planos
coletivos, portanto, sem essa proteção. Vale a previsão
contratual.
Para usuários de planos individuais
a dificuldade de negociação não é diferente, diz Ana Carolina
Navarrete, coordenadora de pesquisa em saúde, do Instituto
Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec): "Boletim divulgado
pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) mostra, inclusive,
queda na inadimplência entre os planos individuais. Apesar da perda
de emprego e renda, os usuários estão fazendo de tudo para não
deixar de pagar, com medo de perder o plano."
Para a especialista, falta uma
normativa da ANS que determine a negociação nesse momento de crise,
a exemplo do que foi feito em outros setores regulados, como
energia e telefonia: "Há uma omissão regulatória. E as operadoras,
por sua vez, estão vendo neste momento a oportunidade para expurgar
planos individuais e outros que não são lucrativos."
Juliana Domingues, diretora do
Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor (DPDC), órgão do
Ministério da Justiça, também esperava do órgão regulador medidas
mais contundentes nesse sentido. Diante do aumento de 62% nas
reclamações contra planos de saúde no portal de intermediação de
conflito Consumidor.gov, de janeiro a abril deste ano em relação ao
mesmo período de 2019, o DPDC pediu a Procons, defensorias e
Ministérios Públicos informações sobre as dificuldades enfrentadas
durante a pandemia.
"A partir desses relatos poderemos
agir baseados nas regras da ANS e também no Código de Defesa do
Consumidor. Para tanto, é importante que quem tiver problemas
registre sua queixa nos Procons."
Segundo Patrícia Cardoso,
coordenadora do Núcleo de Defesa do Consumidor (Nudecon), da
Defensoria Pública do Rio, a dificuldade dos beneficiários de
negociar com os planos de saúde não é um problema novo: "Um
levantamento feito a partir dos atendimentos realizados pelo
Nudecon sobre planos de saúde, entre 2016 e 2019, aponta essa como
uma das questões que mais motivaram a procura da Defensoria sobre o
tema."
Vera Valente, diretora executiva da
Federação Nacional da Saúde Suplementar (FenaSaúde), no entanto,
afirma que o setor está sensível às dificuldades dos beneficiários.
Prova disso, diz, é a suspensão voluntária, por 90 dias, a partir
de 1º de maio, de reajustes de contratos de planos individuais,
coletivos por adesão e empresariais até 29 vidas. "Todas as
empresas estão comprometidas com a manutenção da assistência nesse
momento difícil", diz Vera.
Procurada, a SulAmérica diz ter uma
política de retenção e que a solicitação de Santos foi avaliada e
as razões da decisão explicadas ao cliente. Já a Geap disse apenas
seguir a legislação do setor.
A Amil, por sua vez, disse cumprir
a liminar obtida por Gonçalves para suspensão do aumento da
mensalidade e acrescenta que o contrato do beneficiário não se
enquadra naqueles em que foi adotado adiamento da aplicação do
reajuste. A Amil informa ainda que tem negociado com beneficiários,
mas a requisição de mudanças deve ser feita pela associação a qual
o contrato do aposentado está vinculado. Gonçalves, no entanto, diz
que foi a associação que o orientou a buscar a empresa.
Em nota, a ANS afirma que tem
orientado as operadoras a oferecerem alternativas aos consumidores
para enfrentar a crise. A reguladora reforça que tanto
beneficiários de planos individuais, quanto coletivos, têm a
possibilidade de realizar portabilidade de carência para outra
operadora ou de mudar para um plano de categoria inferior na mesma
empresa.